A Mil por Hora
Equipes Históricas

Equipes históricas – Prost, parte V (final)

RIO DE JANEIRO – A série das Equipes Históricas aqui no blog virou aquelas obras que duram décadas para ficarem prontas. Mais ou menos como se faz em muito lugar por aí. Mas a gente dá um jeito e termina enfim de falar sobre a trajetória da Prost Grand Prix, que na temporada 2000 viveu […]

279623
Sem patrocínio algum para 2001 e com o futuro em risco, a Prost fez o chamado ‘brilhareco’ nos testes de pré-temporada, para atrair a atenção. O carro foi um dos mais rápidos e a artimanha, mesmo manjada, funcionou

RIO DE JANEIRO – A série das Equipes Históricas aqui no blog virou aquelas obras que duram décadas para ficarem prontas. Mais ou menos como se faz em muito lugar por aí. Mas a gente dá um jeito e termina enfim de falar sobre a trajetória da Prost Grand Prix, que na temporada 2000 viveu o pior momento de sua passagem na Fórmula 1, desde que Alain Prost comprou a Ligier.

Não é para menos. Ao fim de um ano catastrófico, com o fim do contrato com a Peugeot e do acordo com a tabaqueira Altadis, a equipe francesa não tinha motores e nem dinheiro. Um dos pilotos, Nick Heidfeld, foi praticamente incinerado e viu sua carreira correr sério risco. O alemão foi se refugiar na Sauber, buscando um recomeço.

Prost não tinha muito para onde correr e quem o salvou foi Pedro Paulo Diniz, que trouxe o patrocínio da Parmalat e garantiu algum dinheiro, além de adquirir 40% das ações do time. De quebra, o na época ex-piloto foi alçado à condição de diretor esportivo da escuderia. O hoje extinto canal de TV esportivo PSN também apareceu, cortesia do novo piloto, o argentino Gastón Mazzacane, de talento duvidoso e que invariavelmente era último – ou um dos últimos do grid – em seu ano de estreia defendendo a Minardi. Para liderar o time, o veterano Jean Alesi renovou por mais uma temporada.

A equipe conseguiu os motores Ferrari e os trabalhos foram iniciados. O modelo AP04 teve design de Henri Durand e Loïc Bigois, trabalhando sob a supervisão de John Barnard. Sem nenhuma inscrição de patrocínio, os bólidos azuis riscaram o asfalto de várias pistas na pré-temporada. Surpresa geral: de um ano para outro, a Prost deixou para trás uma carroça para apresentar um bólido que aparentemente era rápido e competitivo.

Mas era o velho expediente já usado por outras escuderias no passado: o carro andava mais leve, até fora do regulamento – o que não se podia comprovar já que em testes não há uma vistoria rigorosa para comprovar ilegalidades. Certo é que o dinheiro veio: a empresa de computadores Acer chegou e aceitou rebatizar os motores Ferrari com seu nome. Chegaram também o energético Dark Dog e a Adecco, companhia que gerencia recursos humanos, com sede na Suíça.

O AP04 estreou no GP da Austrália em Melbourne. E se o carro não era um primor de velocidade, pelo menos era bem melhor que o antecessor e a temporada podia ser melhor que a de 2000

Quando o campeonato começou em 4 de março de 2001 no GP da Austrália, em Melbourne, até que Jean Alesi largou de uma posição bem razoável: décimo-quarto, seis lugares à frente de Mazzacane. Enquanto o argentino não terminava sequer a primeira volta devido a um problema de freios, o francês foi o nono colocado. Nada mal. O resultado repetiu-se na Malásia, em que Gastón conseguiu terminar sua primeira prova pela escuderia – 12º colocado.

De fato, os resultados iniciais mostravam que o AP04 não era aquela maravilha – mas pelo menos estava longe de ser a porcaria que fora o antecessor. No GP do Brasil, Alesi terminou pela terceira vez no top 10, com a oitava colocação, enquanto Mazzacane colecionava a segunda desistência em três provas, daquela vez por falha de embreagem. Em San Marino, nos treinos para a quarta etapa, o argentino ficou mais de dois segundos atrás do companheiro de equipe no grid. Um resultado que incomodou Prost e Pedro Paulo – e que incomodaria mais ainda quando se viu novamente o carro #22 terminando entre os dez primeiros – Alesi foi nono, mais uma vez – e Mazzacane abandonou por quebra de motor.

Durou pouco: Gastón Mazzacane resistiu apenas quatro provas pela equipe e foi dispensado por pressão dos patrocinadores. “Foi uma péssima experiência”, avaliou o argentino

Foi a gota d’água. No intervalo entre a quarta e quinta etapas, os patrocinadores exigiram a dispensa do argentino. Terminava aí a carreira de Mazzacane na categoria máxima após 21 corridas disputadas. “Admito que foi um erro ter ido para a Prost”, confessou o piloto anos depois. “Perdi minha carreira por estar na Prost. Certamente ele (Alain) era melhor como piloto do que dono de equipe. Era um ambiente muito diferente da Minardi. Não gostei”, completa.

Antes do GP da Espanha, a Jaguar também optara por trocar de piloto. Pedro de la Rosa já estava no radar do time britânico – que depois seria vendido à Red Bull – e passou ao lugar de Luciano Burti, escolhido para substituir Mazzacane no carro #23. Estando bom para ambas as partes, a corrida de Barcelona foi a primeira em que os dois pilotos nos carros azuis terminaram próximos uns dos outros na quadriculada. O brasileiro foi o 11º colocado e Jean chegou em décimo – e pelo menos naquela oportunidade, Luciano foi ligeiramente melhor que Alesi no treino de classificação.

E isso novamente aconteceria no circuito A1 Ring, na Áustria, onde Burti enfiou nada menos que sete décimos no experiente companheiro de equipe. Um sinal de que as coisas mudariam? Não necessariamente, pois na corrida o francês terminou na frente do brasileiro – mas os dois Prost AP04 foram os últimos no resultado final.

Veio Mônaco, circuito onde o talento sobrepuja um equipamento por vezes abaixo da expectativa. E aí Alesi mostrou o quanto ainda valia. Fez o 11º tempo no grid – 1’19″245, enfiando dois segundos e meio em Burti. E a corrida do veterano francês foi impecável: Jean chegou ao sexto posto na 44ª passagem e ascendeu ao quinto posto quando quebrou o motor BMW da Williams de Ralf Schumacher. A Prost poderia ter somado dois pontos não fosse David Coulthard, pois o escocês, que ficou grande parte da disputa sem conseguir passar o brasileiro Enrique Bernoldi, então na Arrows, só o ultrapassou restando sete voltas para o final. Mesmo assim, um ponto bem-vindo para uma equipe que não tinha marcado nenhum em 2000. Burti abandonou após 24 voltas, quando era penúltimo.

Os pontos da Prost em 2001 foram todos conquistados por Jean Alesi e o melhor resultado foi a 5ª posição em Montreal, no GP do Canadá

O GP do Canadá foi o melhor da equipe naquele ano: mesmo largando do meio do pelotão para trás, os dois pilotos sobreviveram numa corrida consistente e que deu a Luciano o seu melhor resultado pela escuderia – a 8ª colocação. Mas Alesi foi superior e de novo chegou aos pontos. Beneficiado pelos problemas de freios na Jordan do italiano Jarno Trulli, o francês conseguiu mais dois pontinhos. Um desempenho que, se não era espetacular, entusiasmava a equipe.

Mas na etapa seguinte – o GP da Europa, em Nürburgring – as coisas não deram muito certo. Alesi vinha em 11º quando despistou-se e teve que abandonar, pela primeira vez naquela temporada. Burti veio da 17ª posição no grid, teve problemas, andou em último durante uma boa parte da disputa, mas conseguiu se recuperar e chegou em décimo-segundo. Outra corrida que Jean prefere esquecer foi a etapa da França, em que além de levar um “pau” de Burti em classificação, ficou no fim do pelotão a corrida inteira, andando à frente apenas das Minardi de Fernando Alonso e Tarso Marques, da Arrows de Jos Verstappen e do Jaguar de Pedro de la Rosa. Acabou em um sofrível 12º posto, enquanto Burti fez sua melhor corrida naquela temporada para terminar em décimo – em determinado momento da disputa, o brasileiro ocupou a nona colocação.

O entusiasmo de Burti com o bom desempenho na prova “caseira” da Prost virou fumaça no GP da Inglaterra, numa pista que conhecia bem das categorias de acesso à Fórmula 1. O motor quebrou após apenas seis voltas. Alesi fez mais uma corrida discreta e foi o 11º, duas voltas atrasado.

Dois graves acidentes – um na largada do GP da Alemanha e outro no início do GP da Bélgica – marcaram a até razoável performance de Luciano Burti em pouco mais de meia temporada pela Prost

E veio Hockenheim, onde seria disputado o GP da Alemanha, na ainda veloz e enorme pista de mais de 6 km de extensão. Foi lá em que Burti apanhou um enorme susto quando viu crescer à sua frente a traseira da Ferrari de Michael Schumacher, que tivera problemas na largada da corrida. Sem espaço, o brasileiro encheu o carro do campeão mundial a toda velocidade e só restou rezar. Após um looping parcial, o Prost #23 parou na área de escape, completamente destruído. Bandeira vermelha, largada interrompida.

Sorte que na época ainda havia o carro-reserva e Burti pode subir nele para a relargada, para sofrer novo acidente e abandonar após 23 voltas, quando vinha em 12º lugar depois de comboiar Alesi em grande parte da disputa. O francês se manteve firme na pista e recuperou do 18º lugar na primeira volta para chegar de novo aos pontos: sexto colocado pela segunda vez no ano.

Troca-troca: infeliz na Jordan, Heinz-Harald Frentzen foi justamente para o lugar de Jean Alesi, que após marcar os quatro pontos da Prost, assinaria com a Jordan até o fim do campeonato

O problema é que a situação financeira da Prost estava longe de ser saudável e Alesi, mesmo com 37 anos, ainda conservava a verve dos tempos de Tyrrell e tinha experiência de sobra, embora não fosse um campeão do mundo. A Jordan, por sua vez, estava insatisfeita com o alemão Heinz-Harald Frentzen e após o GP da Inglaterra, dispensara o alemão. A equipe do “Peruca” Eddie foi chamou Alesi para o cockpit do carro #12 – muito por conta de suas performances com um carro inferior até aquele momento – e Alain salvou-se do alemão para assumir o comando do azul #22.

O GP da Hungria não foi bom para a Prost, mas Frentzen enquadrou Burti em mais de um segundo na sessão de classificação. O brasileiro voltou a ter um fim de semana daqueles pra se esquecer, com muitos problemas. Saiu da pista após oito voltas, quando vinha em 18º lugar. Frentzen era o décimo-terceiro quando rodou e também desistiu.

Se Burti apanhou um susto incrível no GP da Alemanha, o que aconteceria na Bélgica seria pior. Muito pior.

Para surpresa geral, debaixo da tradicional chuva que sempre torna mais divertida a corrida (e também mais perigosa, até) em Spa-Francorchamps, Frentzen conseguiu um espetacular 4º tempo no grid enquanto Luciano largaria de décimo-oitavo. Mas o que seria sonho virou pesadelo: o carro #22 ficou parado, obrigando a uma nova volta de apresentação. E o alemão se viu de repente em último, largando dos boxes.

Quarta volta: Burti tenta a ultrapassagem em Blanchimont, um trecho do circuito muito veloz, por dentro, sobre seu ex-companheiro de Jaguar Eddie Irvine. Talvez ignorando a presença do adversário, Irvine não vê a aproximação do rival e os dois carros se tocam. Sem a asa dianteira e a devida sustentação aerodinâmica, o carro #23 vai em direção à área de escape como um bólido, batendo com extrema violência na proteção de pneus. Irvine roda, sem consequências graves, mas para Burti o acidente é muito sério.

A corrida é interrompida. A equipe médica – e Irvine também – tenta socorrer o piloto brasileiro e o liberta dos destroços. Se não houve ferimentos graves para si, a temporada de Burti terminou naquele incidente e sua carreira na Fórmula 1 nunca mais seria retomada, embora ele se tornasse eventual piloto de testes da Ferrari.

O GP da Bélgica é reduzido a um total de 36 voltas e com a Prost reduzida a um carro, Frentzen larga do fim do pelotão de 17 competidores que restaram para a segunda parte da corrida – a que valeu – para terminar em nono.

Tomas Enge assume o carro #23 no lugar de Luciano Burti e é o último piloto contratado pela equipe, cujas dívidas monstruosas obrigam a Corte de Marselha a liquidar o espólio judicialmente. A Prost tem falência decretada em janeiro de 2002

Com Burti fora de combate, a Prost lança mão do quinto piloto para terminar a temporada – e o terceiro do #23: é chamado o tcheco Tomas Enge, então com 25 anos, que disputava a Fórmula 3000 Internacional pela escuderia Coca-Cola Nordic Racing, conquistando naquele ano de 2001 o 3º lugar da classificação entre os pilotos. Com o dinheiro de patrocinadores pessoais, ele vai para as três etapas finais da temporada, em Monza, Indianápolis e Suzuka.

Em Monza, Enge estreia apenas com o 20º lugar, mas consegue terminar a disputa num razoável 12º posto, considerando que Frentzen abandonou com problemas de transmissão em seu carro, quando vinha em nono lugar. Na corrida seguinte, o tcheco ficou apenas na última fila e entre os últimos ficou, completando o GP dos EUA em 14º, quatro postos atrás do alemão. A última etapa do campeonato não foi muito diferente das anteriores, com Frentzen terminando em décimo-segundo, com uma volta de defasagem e Enge deixando a prova por problemas de freios.

Apesar dos quatro pontos somados e do nono – e penúltimo – lugar no Mundial de Construtores, somente na frente de Arrows – que fez um ponto – e da Minardi, que zerou – a situação financeira da Prost Grand Prix era calamitosa. O montante de dívidas da época ultrapassou a casa de R$ 60 milhões (reais de 2001), equivalentes a R$ 188 milhões em janeiro de 2018, o que dá quase US$ 60 milhões pelo câmbio atual. Era muito dinheiro – e continua sendo.

Em 22 de novembro, a Corte de Versalhes decidiu pela liquidação judicial da Prost Grand Prix, após claudicar ao longo de todo o ano. Foi o canto do cisne de Alain Prost como dono de equipe na Fórmula 1. Um fim triste, depois de tudo o que aconteceu. A 28 de janeiro do ano seguinte, a falência da escuderia foi decretada, por fim.

Mas havia interessados em ver o espólio da finada escuderia em ação: o misterioso grupo Phoenix Finance comprou os restos mortais do time e tentou pôr uma escuderia batizada como DART Grand Prix para a temporada de 2002. Carro até havia: o AP05 estava em testes de túnel de vento e pelo menos o AP04 poderia sofrer atualizações antes de ser substituído por um modelo novo. A equipe tinha como testa de ferro um certo Charlie Nickerson, que como piloto competiu no Mundial de Carros de Turismo nos anos 1980 pela TWR-Jaguar sob o pseudônimo de Chuck Nicholson. O homem por trás das intenções de compra era o então dono da Arrows, Tom Walkinshaw.

Os entraves começaram a surgir. A justiça britânica barrou a compra do espólio por parte de Nickerson, alegando que a equipe não podia adquirir a chamada propriedade intelectual do AP04 concebido pela falida Prost. Depois, a FIA cobrava uma caução para aceitar o time – que teria, a princípio, Tarso Marques e Gastón Mazzacane como pilotos. Nickerson acreditava que, ao comprar o espólio, ficaria livre da caução. Nada feito: assim a DART não estreou e a Prost teve um destino tremendamente inglório numa trajetória de 83 GPs disputados, três pódios, 37 voltas lideradas, 35 pontos somados e um 6º lugar em 1997 como melhor resultado no Mundial de Construtores.

Agora, o blogueiro está numa baita dúvida sobre qual a próxima equipe da série: Brabham ou Jordan? Vocês é que sabem…