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Túnel do Tempo

Direto do túnel do tempo (403)

RIO DE JANEIRO – O dia 30 de maio faz parte da história do automobilismo brasileiro e de um campeão em especial. Naquele dia, em 1993, Emerson Fittipaldi se consagrava bicampeão das 500 Milhas de Indianápolis, a prova mais importante do calendário da Fórmula Indy e até do que o próprio campeonato em si, por […]

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Suco de laranja em vez do tradicional leite das 500 Milhas de Indianápolis: Emerson Fittipaldi quebrou uma tradição de décadas numa corrida que venceu pela segunda vez e cuja data completa 25 anos nesta quarta-feira

RIO DE JANEIRO – O dia 30 de maio faz parte da história do automobilismo brasileiro e de um campeão em especial. Naquele dia, em 1993, Emerson Fittipaldi se consagrava bicampeão das 500 Milhas de Indianápolis, a prova mais importante do calendário da Fórmula Indy e até do que o próprio campeonato em si, por conta de sua longa tradição iniciada em 1911 com a vitória do Marmon Wasp de Ray Harroun.

Para aquela prova, o Indianápolis Motor Speedway passou por longas reformas, em parte motivadas pelas altíssimas velocidades alcançadas em 1992 e os pavorosos acidentes nos treinos e na corrida, com direito a múltiplas fraturas no tricampeão mundial de Fórmula 1 Nelson Piquet e à morte do novato filipino Jovy Marcelo. Aceso o sinal de alerta, os donos do circuito fizeram uma modificação no traçado, criando linhas auxiliares pela parte interna e deixando as curvas mais estreitas.

A modificação funcionou: o holandês voador Arie Luyendyk conquistou a pole position com média de 223.967 mph, cerca de nove milhas mais lenta que a pole de Roberto Guerrero, um ano antes. Perseguindo a primeira vitória no mítico oval, Raul Boesel se qualificou na primeira fila, com o terceiro melhor tempo, enquanto Emerson Fittipaldi, vencedor em 1989 e pole position em 1990, ficou em 9º – logo atrás de Nigel Mansell, que pela primeira vez correria não só em Indy como num circuito oval.

Nelson Piquet fez seu acerto de contas com a equipe de John Menard e retornou para se qualificar com o 13º posto no grid de 33 carros – que não contaria com a presença do então campeão da Fórmula Indy: Bobby Rahal não extraiu velocidade suficiente do seu carro, rebatizado de Rahal/Hogan, mas construído por sua antiga equipe, a Truesports, e ficou de fora num Bump Day dramático onde Eddie Cheever só conseguiu sua vaga (de 33º e último) na sexta e derradeira tentativa, após trocar de chassi numa deferência de John Menard.

Com uma largada antológica, Boesel assumiu a ponta na curva 1 e liderou até a primeira bandeira amarela. Depois, o piloto brasileiro receberia uma penalização stop & go bastante controversa, que custou ao representante da Dick Simon Racing a perda de uma volta. Até o fim das primeiras 100 voltas, a dianteira mudaria várias vezes de mãos, principalmente entre Nigel Mansell, Mario Andretti e Arie Luyendyk, com Emerson Fittipaldi sempre por perto com seu Penske Chevy número #4.

Na volta #128, um acidente entre Roberto Guerrero e Jeff Andretti motivou uma entrada do Safety Car que matou as chances do veterano Mario Andretti de bisar a vitória que ele perseguia na pista desde 1969. Ele entrou nos boxes com os pits fechados e levou um stop & go nesse processo. Raul Boesel recuperou a volta e vinha em 8º – e subindo – quando quebrou o câmbio do Lola Chevy de Robby Gordon, que substituíra A.J. Foyt como piloto titular do time do texano – só que com o carro #41, uma vez que Foyt anunciou sua aposentadoria nos primeiros treinos livres e não teve a intenção de inscrever seu carro para o resto do evento. Boesel sofreu nova penalização também por entrar nos boxes com a sinalização de “No Pit” e até hoje ele lamenta os incidentes ocorridos há duas décadas e meia.

“Com menos de 30 voltas para o fim eu estava em primeiro de novo”, recordou, em matéria de Gabriel Lima à versão brasileira do site Motorsport.com.

“Mas aí, quando entrei nos boxes, deu uma bandeira amarela – e naquele ano eles haviam instituído que quando desse uma bandeira amarela o box fecharia. Eu estava já comprometido com a entrada do pit e deu a bandeira amarela. Aí eu fiz o meu pit stop.”

“Aí eu saí e meu engenheiro me disse: ‘estamos bem, estamos em primeiro e com um pit stop na frente’. Mas aí veio de novo uma penalidade, dizendo que a equipe devia ter me mandado passar reto, sem parar. Eles mandaram eu entrar e pagar um stop & go durante a própria bandeira amarela.”

A penalização, como se vê, não comprometeu tanto a corrida de Boesel, que poderia voltar ao jogo quando Lyn St. James bateu na curva 4 e provocou mais uma bandeira amarela. Só que Emerson Fittipaldi, que não havia liderado a corrida em momento algum, pensava diferente do compatriota. Ninguém, na cabeça dele, lhe tomaria a vitória naquele dia.

Emerson separou os melhores jogos de pneus para os stints restantes e, nas últimas 50 voltas, seu carro rendia uma enormidade. Na última relargada, um fator decisivo seria a inexperiência de Nigel Mansell, que já deixara todo mundo impressionado em Indianápolis por andar no fio da navalha, ‘traseirando’ seu Lola Chevy #5 e sem bater – mentira: ele deu uma leve roçada no muro da curva 2, nas voltas finais, provocando uma última bandeira amarela.

Mas aí já tinha acontecido: no início da volta 184, Fittipaldi atropelou Luyendyk e Mansell, assumindo o primeiro lugar. O holandês não se fez de rogado e também despachou Mansell, com Boesel voando para descontar o tempo perdido. As posições não se alteraram e Emerson comemorou o bicampeonato em Indianápolis, com Arie em segundo, Nigel em terceiro e Raul em quarto.

Não sem polemizar: no pódio, após receber a coroa de louros e posar ao lado do lendário Troféu Borg-Warner, Fittipaldi recusou uma tradição de décadas. Segue abaixo o diálogo entre o piloto e o repórter Jack Arute, do canal ABC.

Fittipaldi: “No, I’m not going to have the milk.”

Arute: “Now there’s a first! Emerson, you’re not going to drink the milk?”

Fittipaldi: “Well, I’m going to drink the orange juice, that’s my producer, and I’m going to help this time orange juice. I produce orange juice.”

Arute: “Back in São Paulo he produces orange juice, so he’s going to go that way.”

Como vocês podem notar, Emerson recusou-se a beber o leite, uma instituição no Victory Lane de Indianápolis. A reação, como era de se prever, foi extremamente negativa na mídia e os efeitos foram sentidos em Milwaukee, na prova seguinte, quando Fittipaldi foi vaiadíssimo na introdução dos pilotos antes daquela disputa.

Nas entrevistas seguintes, pediu desculpas pela atitude, mas o estrago estava feito. O público, com certeza, não esqueceu. Mesmo tendo ficado fora da prova em 1995, o que causou alguma comoção, muito tempo depois ele retornaria ao circuito para pilotar o Pace Car, na edição de 2008.

O resultado? Mais vaias no Driver Meeting daquele ano.

Há 25 anos, direto do túnel do tempo.