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Fórmula 1

Irresponsabilidade

RIO DE JANEIRO – A quarta-feira foi sacudida por uma “notícia” que já repercutiu na mídia internacional: um “Termo de Compromisso” assinado pelos governos municipal, estadual e federal para levar a Fórmula 1 para o Rio de Janeiro. Para o Rio de Janeiro, vejam bem. E em 2020. No mínimo, trata-se de uma irresponsabilidade dos […]

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O projeto de Deodoro: continuo desconfiando e não acredito que vá sair do papel, mesmo com a assinatura de um “Termo de Compromisso” anunciado hoje pelos senhores Jair Bolsonaro, Wilson Witzel e Marcelo Crivella; aliás, beira a irresponsabilidade anunciar a volta da Fórmula 1 ao Rio com a cidade sem autódromo e com um contrato ainda em vigor com a prefeitura de São Paulo e a pista de Interlagos

RIO DE JANEIRO – A quarta-feira foi sacudida por uma “notícia” que já repercutiu na mídia internacional: um “Termo de Compromisso” assinado pelos governos municipal, estadual e federal para levar a Fórmula 1 para o Rio de Janeiro.

Para o Rio de Janeiro, vejam bem.

E em 2020.

No mínimo, trata-se de uma irresponsabilidade dos três envolvidos – Marcelo Crivella, Wilson Witzel e Jair Bolsonaro – em difundir tal notícia, levando-se em consideração alguns fatos.

Primeiro: o vínculo da Fórmula 1 com São Paulo AINDA está em vigor. O Autódromo de Interlagos, inclusive, está em obras. Os boxes foram derrubados e estão sendo construídas novas garagens para atender um pedido da FIA – que solicitou o pé direito mais alto em meio metro.

Segundo: o contrato que AINDA está em vigor vale não só para este ano como também para o próximo, 2020.

Bater no peito e dizer que ele, Bolsonaro, em sua ignorância completa – tanto que hoje disse que “investir no Brasil é um esporte de risco altíssimo” (não estou inventando, nas redes sociais isso foi publicado pra quem quisesse ler – e o Brasil inclusive acabou de sair do ranking de 25 principais países para se investir no mundo) – é quem está mantendo a Fórmula 1 no país é outra irresponsabilidade. Foi Fernando Haddad, enquanto prefeito, quem renovou o vínculo do Brasil com a categoria, mediante o acordo ainda vigente.

Pra mim, isso não passa de cortina de fumaça para que o presidente não recebesse críticas por conta do corte do patrocínio da Petrobras à tradicional Seletiva de Kart. Soltando mais um de seus petardos, o mandatário acalma a patuleia e a turma do automobilismo que votou nele (em massa, por sinal) fica feliz.

Mas não é assim que a banda toca. Espalhar mentiras como se fosse a coisa mais normal do mundo também é outra irresponsabilidade.

O projeto do novo autódromo do Rio custaria alegados R$ 850 milhões. Diz o presida que o dinheiro vem da iniciativa privada ou, em mais uma prova de sua grande ignorância, “a Fórmula 1 pode construir o circuito”.

Tenho 47 pra 48 anos de vida, assisto Fórmula 1 desde o final dos anos 1970 e NUNCA vi a categoria construir uma pista que fosse.

Outra inverdade: espalhar uma suposta inviabilidade da permanência do GP do Brasil em Interlagos por conta de “dívidas”. Cascata: o atual prefeito, Bruno Covas, liberou verba de R$ 3 milhões para a reforma dos boxes que eu já citei linhas acima. E o complexo administrado pela SPTuris dá LUCRO. Não existem indícios de dívidas nos balanços financeiros da autarquia no que concerne ao autódromo.

Sean Bratches, diretor comercial da Fórmula 1, representando o Liberty Media, sequer sabia da assinatura desse “Termo de Compromisso”. Acho até que a categoria gostaria de voltar ao Rio. Mas não nesses termos, creio.

Que existe a intenção de recolocar o Rio de Janeiro a todo custo no mapa do automobilismo brasileiro, não deixa de ser verdadeiro. Mas há uma série de situações tornando pouco críveis as ideias do trio que representa o poder executivo de município, estado e país. Embora o terreno – cedido pelo exército – não represente mais perigo algum, ele está situado numa Área de Proteção Ambiental (APA) e as licenças para se construir não são fáceis de se conseguirem.

Ainda mais no prazo curtíssimo – menos de um ano entre a assinatura do “Termo de Compromisso” e a ‘promessa’ de se existir uma corrida de Fórmula 1 no Rio já em 2020.

Há mais um detalhe que precisa ser lembrado: o Grupo Globo, com quem o presidente já teve alguns atritos, é quem detém os direitos de transmissão. Embora não seja mais promotora da corrida em parceria com a FOM e Tamas Rohonyi (este sim, ainda no circuito), a empresa carioca ainda é influente e pode ter uma importante parcela nestas negociações.

A balança, meus caros leitores, ainda pende muito mais para Interlagos, que existe e está de pé – ainda – do que para um autódromo cujas ideias e intenções sequer saíram do papel.

Não é porque a Fórmula 1 voltaria para o Rio de Janeiro que eu teria ou tenho que aplaudir a assinatura do “Termo de Compromisso”. Não tenho obrigação alguma de bajular absolutamente ninguém por causa de notícias. Meu compromisso é com o bom jornalismo e com a verdade.

Saibam, leitores, que eu criticaria quem quer que fosse – Haddad, Ciro, Alckmin, Marina, até mesmo o lunático do Cabo Daciolo, como agora fiz e continuarei fazendo com Bolsonaro – por conta desssa insanidade e irresponsabilidade de noticiar algo que não existe.

Aliás, com essa trinca que infelizmente conseguiu guarida política no Rio de Janeiro – o que é inacreditável em todos os aspectos – melhor desconfiar. Essa gente tosca, chula e medíocre não merece crédito quando diz que a nova pista vai sair do papel em sete meses. Detalhe: os projetos concebidos por Hermann Tilke nos últimos 20 anos nunca demoraram menos de um ano e meio para ficarem prontos.

De mais a mais, com o Rio de Janeiro sofrendo em todos os níveis – político, social e econômico – há outras prioridades bem mais prementes para que nos preocupemos do que com a construção de um Autódromo.

Em todo caso, espero estar vivo e com saúde para comparecer à inauguração – quando e se o Autódromo sucessor de Jacarepaguá ficar pronto um dia.