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RIO DE JANEIRO – Num ano totalmente atípico por conta do Covid-19, a Fórmula 1 começa igualmente atípica. Lembrar de cabeça uma corrida com onze carros apenas no final é difícil – tive que recorrer a uma pesquisa para saber qual fora a última corrida com tão poucos carros na quadriculada. A última que teve […]

RIO DE JANEIRO – Num ano totalmente atípico por conta do Covid-19, a Fórmula 1 começa igualmente atípica. Lembrar de cabeça uma corrida com onze carros apenas no final é difícil – tive que recorrer a uma pesquisa para saber qual fora a última corrida com tão poucos carros na quadriculada. A última que teve quase tantos abandonos quanto este GP da Áustria foi o GP de Singapura, há quase três anos.

A corrida deste domingo, mesmo sem público nenhum nas arquibancadas, nos trouxe vários elementos que a fizeram, no fim das contas, bem legal se comparada às insossas aberturas na Austrália nos últimos anos. Teve o calor do verão europeu para começar e, principalmente, a ausência de quilometragem cobrou a conta. A falta de confiabilidade foi um dado e isso tornou a primeira disputa de 2020 muito mais interessante do que o normal,

A Mercedes vencer não surpreende, embora pelo rádio possa ter parecido que foi “com emoção”. Pela comunicação entre James Vowles (aquele mesmo do “Valtteri, it’s James”) e os pilotos, houve uma recomendação de preservar o equipamento para evitar maiores problemas. Havia um superaquecimento interno e os pilotos, mesmo em modo de segurança, dominaram a corrida.

Mas há senões: Lewis Hamilton levou duas punições, no mínimo discutíveis. A primeira de três posições no grid (anunciada, registre-se, 1h antes da largada) por conta de não ter aliviado o pé numa bandeira amarela causada exatamente por Valtteri Bottas no Q3 que dera a pole ao finlandês.

Custava à FIA ter se decidido antes?

Hoje, mais discutível ainda, foi a penalização de cinco segundos que tirou o britânico do pódio.

Muita gente tem criticado as atitudes extrapista de Hamilton, dizendo que ele quer holofote, que quer fazer ‘lacração’ às custas dos eventos pós-morte de George Floyd nos EUA. Não acho que seja isso.

Acho que temos sim de discutir racismo. Ele existe, sempre existiu. E é odioso. E foi detestável, execrável, a postura de Max Verstappen, Daniil Kvyat, Charles Leclerc, Kimi Räikkönen, Carlos Sainz Jr. e Antonio Giovinazzi no protesto pré-largada, em que os pilotos estavam de camisetas pretas. Faltou no mínimo empatia a esses seis. E são seis de 20 pilotos – quase um terço do plantel. Preocupante…

Voltando à punição aplicada a Hamilton em novo incidente com o tailandês Alexander Albon, acho sinceramente que, diferente do GP do Brasil, quando defendi que ele deveria ser punido – e foi – aqui foi um incidente normal de corrida. O piloto da Red Bull, na minha análise, foi otimista demais ao ir para a linha de fora. Foi ele quem correu o risco.

Os comissários podem, acredito, ter achado que Hamilton saiu de sua trajetória o suficiente para impedir que Albon o passasse e houve o contato. Só se a interpretação for essa, porque pela câmera a bordo, basta observar o movimento do volante do piloto da Mercedes: não há. Se existiu, foi sutil. Não foi brusco como já vimos muitos fazerem. Não houve dolo. Incidente normal de corrida, disse – e repito.

Parece que o Hamilton aceitou a sanção, ficou triste pelo ocorrido e mostrou grandeza. Só que há visões e visões quanto ao incidente. Bom: quem torce o nariz para as últimas atitudes do Hamilton, diria “bem-feito”.

Só que “bem-feito” pode ser aplicado aos castigados Max Verstappen, Kimi Räikkönen e Daniil Kvyat, que foram três dos que engrossaram a mais longa lista de desistentes num Grande Prêmio desde 2017. 

Alguns pilotos fora deram dó: Russell, por exemplo. O menino vinha até bem e a pressão de gasolina de seu carro foi a zero. Outros, nem tanto. A dupla da Haas, que segue fazendo hora extra, continua sendo manchete pelos erros e pelos problemas crônicos de freios.

Por outro lado, acho que ninguém ficou triste por ver Lando Norris no pódio, né não?

Foi lindo, eu diria. O garoto, de uma temporada só na Fórmula 1, ainda desceu o cacete no acelerador e fez a melhor volta na última passagem. Com a sutil tirada de pé do Bottas, a diferença para o líder e para Hamilton, já punido, foi diminuída. Isso, além do temporal de 1’07″475, possibilitou ao britânico ser o 212º nome dos compêndios a terminar entre os três primeiros.

Parabéns à equipe inglesa, que vem num longo processo de reconstrução sob o comando de Zak Brown. Com os nomes certos tocando a engrenagem nos bastidores – leia-se Andreas Seidl, Gil de Ferran e James Key – as coisas se encaminham bem.  Outra coisa: ninguém figura nas estatísticas como a segunda equipe com mais triunfos (uma das únicas quatro com mais de 100 vitórias) por acaso. É uma história de oito campeonatos mundiais de Construtores e 12 de pilotos, que não pode ser impunemente varrida pra debaixo do tapete.

Foi também o primeiro pódio ‘de verdade’ da McLaren desde que Button e Magnussen – e faz tempo isso – estiveram no top 3 em Melbourne, na Austrália. E a primeira melhor volta da equipe desde… Alonso no GP da Hungria de 2017, com aquela carroça de motor Honda – salvo engano, tempo cravado no último giro. Depois consulto…

E a Ferrari hein?

No fim das contas, até que a P2 para Charles Leclerc foi um presente dos céus. Tantos abandonos e punições e o piloto de Mônaco tem lá seus méritos. O que não apaga a certeza de que a SF1000 está longe de ser competitiva. Vimos isso nos treinos com a falta de performance dos propulsores italianos.

Vettel? Abriu a caixa de bobagens, errou tolamente após uma relargada e só chegou em décimo por conta dos muitos abandonos. Aliás, quase sobrou um pontinho ali para o novato Nicholas Latifi, que não teve ritmo nenhum durante a corrida que justificasse tal feito. Mas uma corrida atípica como esta podia tê-lo presenteado com pelo menos o décimo lugar.

A registrar também que Esteban Ocon, numa corrida bem pouco brilhante, conseguiu marcar pontos em seu retorno à categoria. A Alfa, péssima nos treinos, pontuou também com Giovinazzi depois que uma roda pediu demissão do carro de Räikkönen.

BWOAH!, teria dito a roda…

E a classificação de Construtores começa com Mercedes líder – ok; McLaren em segundo – uau!; Ferrari em terceiro, seguida por Racing Point, Alpha Tauri, Renault e Alfa. A Red Bull, fato até raro, zerou com seus dois pilotos.

Domingo que vem, lá mesmo no Red Bull Ring, terá o GP da Estíria. A julgar pelos treinos do fim de semana, é Mercedes contra o resto.

Porém, por que não querer que a corrida seja tão imprevisível quanto esta?

Nós merecemos. E a Fórmula 1, também.