A Mil por Hora
24 Horas de Le Mans

Le Mans 2020: Tri-Toyota!

RIO DE JANEIRO (Missão cumprida!) – Qualquer que seja o mês do ano – se junho ou setembro, não importa; qualquer que seja a circunstância – com Pandemia, sem distanciamento social, com multidão incalculável de pessoas ou sem ninguém nas arquibancadas, as 24 Horas de Le Mans dificilmente perdem um componente só dela: a magia. […]

Hat-Trick: terceira vitória da Toyota após desenterrar a ‘caveira de burro’ em Le Mans que atazanava os orientais; Sébastien Buemi e Kazuki Nakajima entram para o rol seleto de vencedores seguidos e também de três edições da clássica prova francesa

RIO DE JANEIRO (Missão cumprida!) – Qualquer que seja o mês do ano – se junho ou setembro, não importa; qualquer que seja a circunstância – com Pandemia, sem distanciamento social, com multidão incalculável de pessoas ou sem ninguém nas arquibancadas, as 24 Horas de Le Mans dificilmente perdem um componente só dela: a magia.

A tradição de ser a maior prova longa da história do esporte a motor e muito possivelmente de todas as categorias existentes não foi desfeita na sua 88ª edição – apesar de todos os percalços.

O Automobile Club de l’Ouest (ACO), que afirmou ter sido “fora de cogitação” cancelar o evento em 2020, adiou-o pela primeira vez em 52 anos e, mesmo com o Coronavírus assolando o planeta, fez um grande espetáculo.

No qual os protagonistas foram os 59 carros que largaram e os 43 que acabaram classificados ao fim da maratona de um dia inteiro de desgaste, adrenalina, velocidade, emoção, ultrapassagens e paixão.

E é por ter paixão pelo esporte que a Toyota faz jus ao troféu das 24h de Le Mans: por conquistar uma vitória que lhe fugiu por entre os dedos várias vezes, pela terceira vez consecutiva, o construtor oriental faz jus ao galardão.

Sobrando na turma, com o favoritismo natural, mesmo assim houve percalços. O carro #7 dos então líderes do campeonato parece predestinado a não vencer em La Sarthe. Uma quebra do turbo tirou de esquadro a trinca Conway/Kobayashi/López, que perdeu sete voltas e recuperou apenas uma – não foi o suficiente.

No mundo dos mortais, a Rebellion conseguiu a 2ª posição geral e Bruno Senna se iguala a José Carlos Pace, Raul Boesel e Lucas Di Grassi no melhor resultado de representantes do país em Le Mans

Que o 2º lugar alcançado por Bruno Senna/Gustavo Menezes/Norman Nato – que ainda dá à trinca chances matemáticas de título – motive a Rebellion a não fazer da corrida desse fim de semana a sua despedida do esporte. Que o Rebellion R13 Gibson vá a Sakhir para pelo menos tentar, animar a última prova da temporada, marcada para 14 de novembro.

“Tô contente. Foi um resultado muito positivo quando você considera que a gente realmente não tinha chance de lutar contra a Toyota, pela vantagem muito grande de tecnologia e et cetera. Então, pra gente conseguir bater uma delas em termos de confiabilidade e fazer o carro funcionar bem a corrida toda foi uma vitória muito grande pra equipe”, realçou Bruno Senna.

“É a oitava vez que eu faço essa corrida e eu sempre tive algum pepino. Dessa vez deu tudo certo graças a Deus, tô felizão, fiz a volta mais rápida da corrida logo no começo, na quarta volta, tentando seguir o ritmo das Toyota o máximo possível – não deu pra fazer o tempo inteiro, mas cada pressão que a gente colocou neles, cada coisa que a gente fez ajudou a determinar o resultado da corrida. Essa eu vou levar para as memórias como uma das boas”, fechou o vice-campeão de Le Mans 2020.

Ao fim de pouco mais de 24h01min e 387 voltas percorridas – duas a mais que na edição passada – Kazuki Nakajima e Sébastien Buemi, mais Brendon Hartley, entram – os dois primeiros citados – para o seleto rol de pilotos com três ou mais vitórias na geral em La Sarthe e para o raríssimo panteão dos que ganharam três ou mais de forma consecutiva.

Sim, dirão que a Toyota não tem concorrência mas… e daí? É do esporte. Vence quem chega primeiro e os orientais foram tenazes e colhem os frutos. Esperam por concorrência nos Hypercars, senão em 2021, no ano seguinte, com a vinda da Peugeot.

A corrida foi marcante também nas demais categorias, com a United Autosports enfim vencendo na LMP2 e em grande: a equipe britânica, de propriedade do também CEO da McLaren Zak Brown em sociedade com Richard Dean, dominou a sua categoria e esteve bem perto de um histórico 1-2.

Com (muita) emoção: a United Autosports dominou a LMP2, domou a Jota na parte final e Phil Hanson, que guiou no último turno, foi campeão da temporada 2019/20 por antecipação, junto ao português Filipe Albuquerque

Porém, quebrou uma tubulação de óleo do #32 de Job Van Uitert/Alex Brundle/Will Owen, deixando o #22 de Phil Hanson/Paul Di Resta/Filipe Albuquerque sozinho na luta contra a Jota, cujo trio era Anthony Davidson/Roberto González/Antonio Félix da Costa.

Para os nossos patrícios, um 1-2 de sonho: nunca os portugueses viram dois pilotos em simultâneo no pódio. E fosse quem fosse, estava em boas mãos: o último reabastecimento definiu tudo e assim Di Resta, Albuquerque e Hanson puderam celebrar – e os dois últimos, com os 51 pontos somados na prova, levaram o título mundial de pilotos da LMP2 por antecipação. Uau!

A se louvar o brilhante trabalho da Signatech-Alpine Elf, até então bicampeã seguida da corrida, campeã do WEC com André Negrão e que veio de último para chegar em 4º na classe e oitavo na geral numa Le Mans de superação. O piloto brasileiro, que correu junto a Thomas Laurent e Pierre Ragues, saiu satisfeito do circuito.

“Foi bom… eu até falei pro pessoal aqui que, pra mim foi como a vitória do ano passado. Porque sair lá de trás, com problema no motor, caminhar, correr pra caralho a noite inteira, forçando tudo o que dava… cara, foi sensacional – de verdade. Vou falar pra você: não foi mais legal que no ano passado, mas foi melhor que 2018, muito mais legal, cara. Mesmo não tendo subido no pódio, foi animal”, contou André em mensagem via WhatsApp.

“A galera não desistiu e fomos até o final mesmo. Foi muito bom. Chegamos em quarto, marcamos bons pontos para o campeonato (equivalentes à 3ª posição, pois a Panis Racing não está no WEC), não que vá mudar muita coisa. Mas enfim… vamos ver se conseguimos fazer um trabalho bem-feito no Bahrein”, completou Negrão.

Outras equipes que saíram com nota positiva foram a IDEC Sport, cujos dois protótipos bateram na quinta-feira, foram obrigados a sair uma volta atrasados e do pitlane e ainda assim terminaram em sexto e em 11º lugar na divisão – e também a Richard Mille Racing, com uma corrida feijão-com-arroz e sem nenhum erro de Beitske Visser/Tatiana Calderón/Sophia Flörsch, fazendo o trio de mulheres estreantes na prova de La Sarthe terminar em 9º na LMP2 e 13º na geral.

Pelo lado negativo, a desclassificação sumária da Jackie Chan DC Racing, quando seu protótipo #37 parou na pista com cerca de 10h50min de disputa e Gabriel Aubry era o piloto: o francês pegou um telefone celular e pediu ajuda externa pelo WhatsApp – não, vocês não leram errado. Um mecânico foi ao local onde estava o piloto, instalou uma peça e o carro pôde voltar aos boxes. Piloto e equipe assumiram o erro crasso e a direção de prova, do português Eduardo Freitas, aplicou a regra. Ajuda externa não é possível permitir: eliminação do resultado final, sem apelo e nem agravo.

Já na LMGTE-PRO, a Porsche, pole position, pareceu não ter ritmo algum para se envolver na luta pela vitória e, some-se a isso, problemas mecânicos que deixaram os 911 RSR-19 para trás numa Le Mans para ser varrida pra debaixo do tapete. Melhor para Ferrari e Aston Martin, que travaram intensa batalha pela vitória. Maranello versus Gatwick. E os britânicos levaram a melhor.

Varrida: a vitória na LMGTE-PRO foi a segunda da Aston Martin em Le Mans na competição principal de Grã-Turismo e, com dois carros no pódio, o construtor britânico se sagrou campeão de Marcas por antecipação no WEC

Com um BoP mais favorável, a Aston escondeu o jogo e fez uma corrida sólida contra o trio campeão da prova ano passado. Bater James Calado/Ale Pier Guidi/Daniel Serra em condições normais seria uma tarefa a se cumprir para Alex Lynn, que fez 27 anos no último dia 17, o belga Maxime Martin e o britânico Harry Tincknell, já vencedor de classe em 2014, com a Jota/G-Drive na LMP2.

E deu tudo certo: o trio do #97, com retaguarda de engenheiros brasileiros – Patrick Bandeira de Mello e Gustavo Beteli – fez tudo certo e deu à AMR o título mundial de Construtores de Grã-Turismo. Foi também a segunda vitória da Aston Martin nos últimos quatro anos na LMGTE-PRO.

Daniel Serra mostrou que seu nível é de piloto top. Foi mais uma vez espetacular, deixou Tincknell pelo menos três vezes na saudade e em apenas quatro participações nas 24h de Le Mans, registra duas vitórias, três pódios e um 5º lugar. O filho do Chico Serra, o tricampeão da Stock Car, já pode – aos 36 anos – bater asas e voar alto no Endurance mundial. Daniel é do ramo, muito do ramo.

A ressaltar que a AF Corse teria também o #71 na chegada – só que não: o carro de Sam Bird/Davide Rigon/Miguel Molina parou no meio do circuito na última volta e, como não viu a quadriculada, não foi classificado e não terá direito a pontos no FIA WEC. Assim, o 4º lugar foi um consolo para a Risi Competizione, que pelo menos bateu a Porsche oficial de fábrica.

Os problemas de suspensão do Aston Martin cliente de Paul Dalla Lana facilitaram o caminho da TF Sport, que se mantém no páreo com seus pilotos – agora líderes do campeonato com 146 pontos somados contra 140 de François Perrodo, Manu Collard e Nicklas Nielsen

Na LMGTE-AM, os Aston Martin foram muito bem também e, se o #98 ficou para trás com uma falha de suspensão, o #90 do time cliente TF Sport levou a melhor numa apresentação muito boa do trio Salih Yoluç/Charlie Eastwood/Jonathan Adam – este último chega à segunda vitória em classes nas 24h de Le Mans.

A trinca nem soube ou nem viu, mas uma lenha no final, após o Safety Car cortesia da panca do Oreca LMP2 da Graff na Virages Porsche, foi o melhor momento dos últimos instantes da disputa. A Dempsey Racing-Proton foi de novo ao pódio, em ótima prova de Christian Ried/Matt Campbell/Riccardo Pera. Atual campeão de Le Mans e do WEC na categoria, o Team Project 1 sucumbiu e nem ao pódio foi. A 3ª posição foi conquistada – no erro do italiano Matteo Cairoli, parceiro de Larry Ten Voorde e Egidio Perfetti – pela Ferrari da AF Corse, do trio Nicklas Nielsen/Manu Collard/François Perrodo.

No bojo, a participação brasileira na LMGTE-AM foi positiva: Oswaldo Negri/Francesco Piovanetti/Côme Ledogar ainda terminaram em sétimo lugar na categoria, uma posição adiante de Ross Gunn/Paul Dalla Lana/Augusto Farfus – trinca que merecia melhor sorte. Não fosse uma falha de suspensão e hum… sei não…

“Fiquei super feliz com o nosso 7º lugar”, ressaltou Oswaldo Negri. “Não começou fácil, quando aquele protótipo se atirou na primeira curva por dentro e eu fui para a parte molhada da pista. Tive sorte dos pneus não terem estourado, senão já tinha ido tudo ali. O carro estava fantástico, tinha um puta balanço. Francesco (Piovanetti), que é quem banca tudo, fez um excelente trabalho, não cometeu nenhum erro a corrida toda. O Côme (Ledogar) é espetacular. Garoto novo que acelera muito. Já vi cara bom, mas ele é fora da curva”, finalizou o piloto da Luzich Racing.

Felipe Fraga teve uma corrida com alguns percalços que incluíram um toque com um protótipo que atrasou o Porsche #57 que dividiu com Ben Keating e Jeroen Bleekemolen, seus parceiros do último ano. Perderam 13 voltas em relação aos primeiros e, após um longo conserto, fecharam em 14º na classe – oitavo para efeito de pontos no WEC entre os pilotos dessa categoria.

E o estreante Marcos Gomes teve momentos de brilho, principalmente no primeiro stint. Mas os turnos do patrão-piloto Morris Chen foram sempre problemáticos e, numa das saídas de pista do oriental, o carro #72 não pôde mais retornar à disputa. Com 273 voltas e 20h06min cumpridos, tiveram de abandonar.

Mais uma página da história de Le Mans foi escrita e contada, contra tudo e contra todos. E eu só posso agradecer: se ano passado estive lá e vivi uma das maiores emoções da vida enquanto jornalista e apaixonado por automobilismo, desta vez a jornada – a sexta, desde 2015 –  foi de casa, com segurança, empenho, dedicação e a paixão de sempre.

Por isso essas palavras finais são para as/os telespectadoras/os e leitoras/os: gratidão imensa pelo retorno dado nas mídias sociais e às postagens junto ao GRANDE PRÊMIO do guia das 24 Horas de Le Mans, com as fichas dos 177 pilotos  – sim, o Dwight Merriman não correu, aleluia! – que estavam inscritos antes dos primeiros treinos, os dados das equipes, enfim… excelência, paixão e competência caminhando juntas.

Não costumo fazer propaganda minha de forma gratuita pra não passar uma impressão falsa de arrogância ou soberba, mas dessa vez vou deixar a modéstia de lado e dizer que outra vez matamos a pau não só na transmissão do Fox Sports como também no material do GP. Isso me faz ter orgulho do que acontece hoje: uma cultura de Endurance, para um público novo, recriada e consolidada. Fiz parte disso – trabalho de anos, de formiguinha.

Valeu a pena.

Obrigado também aos colegas de emissora que sempre acreditam no nosso trabalho. E especialmente a você que está lendo essa postagem.

Le Mans é sempre maravilhosa. E não tem Pandemia que me segure em 2021. Tenho fé que lá estarei, de novo. E viver todas essas emoções no ano de estreia dos Hypercars no Mundial e em La Sarthe.

À bientôt!