A Mil por Hora
Fórmula 1

Um novo parâmetro

RIO DE JANEIRO – Quando no GP da China de 2006 o alemão Michael Schumacher alcançou a incrível marca de 91 vitórias na carreira acredito que ninguém poderia prever que esse recorde seria alcançado e evidentemente superado. Mas existe Lewis Hamilton e o dia 25 de outubro de 2020, na tarde portuguesa em Portimão, viu […]

RIO DE JANEIRO – Quando no GP da China de 2006 o alemão Michael Schumacher alcançou a incrível marca de 91 vitórias na carreira acredito que ninguém poderia prever que esse recorde seria alcançado e evidentemente superado.

Mas existe Lewis Hamilton e o dia 25 de outubro de 2020, na tarde portuguesa em Portimão, viu a história ser mais uma vez escrita com tintas consagradoras. E o inglês da Mercedes-Benz não só chegou ao patamar de Schumacher como criou outro parâmetro na história de 70 anos do Campeonato Mundial de Fórmula 1.

Tentar desqualificar Hamilton virou esporte. Por várias coisas. Porque ele resolveu sair da casinha e mostrar que, além de esportista e muito bom no que faz, é um cidadão consciente. Foi a protestos, deu a cara para bater e é um dos grandes símbolos do ativismo pró-Black Lives Matter e antirracismo no mundo inteiro.

Além de tudo, por se tornar uma máquina de recordes, com 97 pole positions e hoje a tão esperada 92ª vitória após 262 GPs na carreira, Lewis é fortemente questionado se realmente ele é excepcional como os números nos mostram.

Na boa: a competência que ele mostrou para bater Bottas na qualificação e também para conquistar o primeiro GP de Portugal em 24 anos, poucos pilotos têm. Ele é um ponto fora da curva. Ele é sobrenatural. Fora de série.

Os detratores dirão: “Ele não teve concorrência!” “Ele só guiou carros bons!”

Quanto à segunda afirmativa, nem sempre. De 2009 a 2013, Lewis não tinha carros à altura do que fez em seus seis campeonatos mundiais. mas figurou no top 5 em todos esses anos e venceu pelo menos um GP em todas essas temporadas.

Outra: na McLaren ele levou 26 de suas 97 poles até agora. Em 2007, partiu seis vezes da posição de honra do grid contra duas de Alonso; no ano seguinte, fez sete poles e Heikki Kövalainen, uma apenas. Nos anos seguintes de 2009 a 2012, fez 13 poles e Button, uma também. Placar de LH contra seus três colegas de McLaren em largadas na primeira posição: 26 x 4.

Em seu período de Mercedes-Benz, Hamilton viu Rosberg marcar 30 poles e Bottas, catorze. Placar de Lewis diante dos últimos que dividiram garagem com ele: 71 x 44.

A frieza dos números não aponta apenas um piloto com um desempenho demolidor em qualificação como também alguém capaz de driblar algumas adversidades e vencer como hoje no Algarve: com a pista úmida no início por uma leve garoa e os pneus médios se portando pior que os macios em nível de aderência nas primeiras voltas, houve um delicioso caos que nos ofertou a liderança de uma McLaren por quatro voltas, com Carlos Sainz Jr., que partira de sétimo. Aconteceu também um entrevero entre Sergio ´Pérez e Max Verstappen, que mostrou bem o nível de beligerância da FIA com o holandês da Red Bull.

Enquanto Pérez caiu para último e os comissários deliberavam que foi um “incidente normal de corrida”, por uma ultrapassagem otimista demais por fora, algumas voltas mais tarde, Lance Stroll levou um pênalti de cinco segundos na manobra contra Lando Norris.

Dois pesos, duas medidas? Por que existe um cuidado para não punir Verstappen? Desagradar a Red Bull que não tem fornecedor de motor definido para 2022 e deixar os rubrotaurinos em fúria? Não concordo: a interpretação de incidente normal de corrida teria que ter sido aplicada na manobra de Stroll, embora concorde que o canadense ‘viajou na maionese’ e que fora otimista demais.

Enfim… a corrida foi ótima por conta do caos coletivo, Räikkönen ganhou DEZ posições na primeira volta (vejam a façanha aqui acima) e, sem o DAS instalado nos carros, a Mercedes pareceu que teria dificuldades. Só que não. Mesmo sem o sistema que altera a convergência das rodas e melhora a aderência dos pneus dianteiros – que está já banido para 2021 – os carros de cor preta avançaram contra o laranja papaya de Sainz: Bottas pegou a dianteira no sexto giro e por lá ficou até a 19ª volta.

Na vigésima, Hamilton pôs ordem na casa, superou o colega de equipe, passou, abriu e foi embora. Uma vitória daquelas para ninguém ter dúvidas de que a Fórmula 1 hoje tem ‘oto patamá’ e também do nível de excelência do britânico enquanto um dos maiores pilotos da sua geração e já celebrado como um dos grandes da história da categoria – na opinião de muitos o maior, não sendo necessariamente o melhor de todos os tempos.

E no geral, o GP de Portugal foi muito bom. Teve ótimos pegas, algumas disputas bem legais, atuações excelentes de pelo menos outros dois pilotos – Pierre Gasly e Sergio Pérez, sem contar um espetacular (pelo retrospecto do campeonato) 4º posto para Charles Leclerc – único além dos três do pódio a completar as 66 voltas previstas.

Tem mais uma coisa: o Liberty Media e a FIA precisam dar um jeito de manter – ainda que em revezamento – Algarve e Mugello no calendário como sede, por exemplo, do GP da Europa. O circuito português, o único projeto – até agora, porque vai chover pedido, podem ter certeza – do arquiteto Ricardo Pina. Ele e Paulo Pinheiro, o idealizador do circuito, estão de parabéns. Os ‘adeptos’ ficaram felizes por lá, os jornalistas locais ficaram orgulhosos e nós também. Portugal não podia ficar fora tanto tempo da Fórmula 1 e, mesmo que em circunstâncias adversas, voltou e a corrida foi muito celebrada nas redes sociais.

Que os donos do espetáculo “se virem nos trinta” e que a nova geração corra atrás desse recorde. E não vou ousar dizer que desconfio que jamais será superado.

Afinal, vai que, né…?