A Mil por Hora
Fórmula 1

Um GP tenso

RIO DE JANEIRO – Vocês podem imaginar o espanto que tomou conta de mim quando vi, três curvas após a largada do GP do Bahrein de Fórmula 1, um carro bater e explodir em chamas. É uma cena não vista em acidente na categoria máxima há mais de 30 anos: em 1989, Gerhard Berger, numa […]

2020 Bahrain Grand Prix: Race Highlights

RIO DE JANEIRO – Vocês podem imaginar o espanto que tomou conta de mim quando vi, três curvas após a largada do GP do Bahrein de Fórmula 1, um carro bater e explodir em chamas.

É uma cena não vista em acidente na categoria máxima há mais de 30 anos: em 1989, Gerhard Berger, numa época bem mais insegura que a atual, escapou com queimaduras de uma pancada seca no muro da Curva Tamburello, no circuito italiano de Imola, no GP de San Marino daquele ano. O dligente socorro impediu que o austríaco – então piloto da Ferrari – saísse com mais ferimentos daquele incidente.

O que ocorreu a Romain Grosjean neste domingo é algo que beira o espanto em todos os sentidos.

Primeiro, a forma como o carro varou o guard-rail e partiu-se ao meio – há quem diga que é, de fato, para isso acontecer. Só que o tanque de combustível deveria resistir ao impacto e, cheio, explodiu. No contato com as partes quentes de motor, câmbio e freio, a temperatura deve ter subido a níveis estratosféricos. E Grosjean dentro da bola de fogo por 29 segundos.

Milagrosamente, o francês – que em momento algum perdeu a consciência – conseguiu se desvencilhar da proteção de cabeça que cerca o habitáculo, após bater no cinto e sair do fogo por seus próprios meios, macacão chamuscado, mãos e pés mais doloridos porque o material de luvas e sapatilhas é diferente do que é aplicado no macacão – afora que, além da peça revestida de Nomex, material que resiste a até 1300º C de fogo por pelo menos 20 segundos – os pilotos usam uma espécie de ‘ceroula’ por baixo. E essa ‘ceroula’ é antifogo. O que explica apenas as queimaduras superficiais que o piloto recebeu nas extremidades do corpo.

As imagens foram impressionantes, aterrorizantes e lembraram um tempo do qual muitos de nós queremos esquecer. Eram tempos em que 30 pilotos começavam um campeonato e pelo menos uns três, às vezes mais, não terminavam a temporada. Lembrei de muita coisa ao ver aquele carro incendiado. De Berger, de Jacky Ickx e seu enrosco com Jackie Oliver em Jarama/70, da bravura de Mike Hailwood ao tirar Clay Regazzoni desacordado de uma BRM que ardia em chamas em Kyalami/73. Lembrei que Roger Williamson, infelizmente, não teve como ser salvo quando seu March pegou fogo em Zandvoort/73.

E, claro, como esquecer de François Cévert e Helmut Köinigg?

Eles dois, num espaço de um ano apenas, morreram em acidentes com circunstâncias semelhantes. Seus carros atravessaram as lâminas de guard-rail na mesma pista (Watkins Glen), com o francês da Tyrrell sendo gravemente ferido no torso e o austríaco da Surtees, degolado.

Se não existisse o Halo, tão ridicularizado quando introduzido, é bem possível que Grosjean teria sido decapitado também. Ou com ferimentos tão graves que talvez o impedissem de sair pelas próprias vias do fogo que tomou conta de sua Haas.

Agora, há alguns elementos que precisam ser observados.

Primeiro: como pôde o tanque de combustível, teoricamente feito para não vazar, explodir daquela forma? E mais… como pôde o guard-rail, feito para absorver o impacto, terminar varado e inteiramente destruído?

Segundo: a batida foi em impacto frontal, em sexta ou sétima marcha – congelaram as imagens onboard do carro para que não víssemos o resto – e Grosjean resistiu a 53G de desaceleração. E não perdeu a consciência. E saiu andando. E vivo. E alerta. Impressionante!

Terceiro: alguém já se convenceu de que o Halo é um mal necessário à Fórmula 1?

Quarto: pra que falar de substitutos do piloto num momento como este? No twitter, nem bem o acidente havia acontecido, entrou um cidadão na minha conta e perguntou. “Será o Pietro (Fittipaldi) ou o Schumaquinho (Mick Schumacher)?”. Ah! Façam-me o favor! E só porque tem brasileiro envolvido eu tenho que dizer que ele será o substituto de Grosjean? E, pior!, ter que falar isso depois de um acidente que poderia ter custado vidas?

Francamente!

Bom, refeitos do susto inicial e de uma longa bandeira vermelha, logo que a corrida foi reiniciada tivemos um outro incidente – um capote de Lance Stroll com o carro da Racing Point, motivado por um contato com a Alpha Tauri de Daniil Kvyat, que foi punido.

Aliás, o russo não deixará nenhuma saudade na Fórmula 1. É verdade esse ‘bilete’.

Quanto à corrida em si, nada a acrescentar em demasia: Lewis Hamilton alcançou sua 95ª vitória na carreira e amplia seu recorde pessoal que lhe rende também um total de 164 pódios em 265 GPs disputados desde 2007.

Para a Red Bull, foi o melhor GP do ano em termos de pontos na tabela. Alex Albon foi ao segundo pódio e Max Verstappen, com a 2ª posição, descontou 15 pontos – somando também o da volta mais rápida – para Bottas, com quem o holandês travará uma luta pelo vice-campeonato nas próximas duas corridas lá mesmo no Bahrein (no anel externo) e Abu Dhabi. E foi o primeiro pódio duplo dos rubrotaurinos em três anos!

E para a Racing Point, foi o pior resultado possível pois, além do capote de Stroll, Sergio Pérez rumava para mais um merecido pódio quando o motor de seu carro foi para o beleléu. O desespero do chefe de equipe Ottmar Szafnauer era visível na casinha do time dos rosados. A equipe zerou pela primeira vez no ano e a McLaren, mais próxima rival na luta pelo 3º posto no Mundial de Construtores, fez 22.

Como efeito, os papaias passaram a futura Aston Martin na luta por um dinheirinho bem razoável – fala-se em mais de 30 milhões de talkeys – distribuído pelo Liberty Media. Com duas corridas para o final, a McLaren chegou a 171 pontos, contra 154 da Racing Point, 144 da Renault – que ainda ameaça – e 131 da Ferrari, que voltou à sua normalidade.

No mais, é isso. Aguardemos e torçamos pelo desdobramento feliz do incidente com Grosjean. Que as notícias que venham do Bahrein sejam boas. Não custa nada lembrar que em 1978, noutro acidente com batida e explosão, tão grave e tão mais sério quanto este, morreu o sueco Ronnie Peterson, vítima de uma embolia, no dia seguinte à batida. Que o atendimento a Grosjean esteja à altura do que se espera em termos de tecnologia e principalmente não haja lesões mais sérias.

E destaco, nas últimas linhas, a coragem do piloto do Medical Car Alan Van der Merwe e do diretor médico da Fórmula 1, Ian Roberts, que ajudaram a resgatar Grosjean. Sem capacetes integrais, encararam o incêndio junto à Defesa Civil barenita e dispenderam todos os esforços possíveis num momento que poderia ter sido o mais trágico do automobilismo em todas as esferas, depois de muito tempo.