Saudosas pequenas – Larrousse, parte V (final)

RIO DE JANEIRO – Como se não bastasse a perda dos motores Lamborghini e o abandono dos italianos na Fórmula 1, Gérard Larrousse sofreria ainda um outro golpe na tentativa de fazer sua escuderia crescer para a temporada de 1994.

Em segredo, ele negociava com a Peugeot para receber dos compatriotas o motor V10 que o fabricante produziria. As tratativas eram diretamente com Jean Todt, seu velho conhecido. Mas o dirigente caiu fora do grupo Peugeot Sport e foi comandar a Ferrari. Jean-Pierre Jabouille assumiu e, em tempo recorde, a Peugeot fez seu motor e assinou com a McLaren.

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Em 80 dias apenas, Robin Herd desenhou e construiu o Larrousse LH94

Isto posto, Larrousse não teve outra alternativa: sem o apoio de um fornecedor de motor que lhe garantisse a gratuidade de propulsores, lá foi ele buscar o velho e confiável motor Ford Cosworth HB para a temporada. Com um contrato negociado com o Fast Group da Suíça, o dirigente conseguiu novos patrocinadores e seus carros foram vistos com duas pinturas diferentes durante o campeonato.

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Olivier Beretta no GP do Pacífico; monegasco foi apadrinhado por Nelson Piquet no início da carreira internacional

Uma alternativa engenhosa, visto que eram duas marcas de cerveja: a Kronenbourg, com visual branco e vermelho e a Tourtel, de matiz verde. Esta última, sem álcool, foi a solução para a Larrousse expor seus patrocinadores onde a propaganda de bebida alcoólica era proibida por lei.

O modelo LH94, desenhado em menos de 90 dias por Robin Herd e Tim Holloway, seria conduzido no início do ano pelo experiente Erik Comas e pelo novato Olivier Beretta, cuja carreira teve, na Fórmula 3000, uma forcinha de um certo Nelson Piquet.

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Erik Comas fez boas provas com a Larrousse em seu último ano na Fórmula 1

Comas, pela maior quilometragem, começou melhor que o parceiro. Décimo-terceiro no grid em Interlagos, chegou em nono no GP do Brasil. Em Aida, no GP do Pacífico, conseguiu um inesperado 6º lugar, que encorajou a equipe. Mas no fatídico GP de San Marino, Erik não voltou para a segunda largada: ele foi liberado, por um equívoco de um comissário, do pit lane, quando o tricampeão Ayrton Senna estava ainda sendo atendido na pista de Imola. Comas brecou para não bater no helicóptero que pousara para transportar Senna para o Hospital Maggiore, de Bolonha. Abalado, pediu para não correr e foi embora do circuito.

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Beretta teve que deixar a equipe pouco após a segunda metade do campeonato

Apesar disto, ele continuou como o melhor da Larrousse em qualificação, embora Beretta tenha sido 8º na corrida seguinte e Comas, décimo. E como alguns outros carros daquela temporada, o LH94 sofreu com a mudança de regulamento que cortou o periscópio por onde entrava ar do motor, tirando a eficiência aerodinâmica do bólido e prejudicando a já pouca potência do motor Cosworth HB.

A equipe começou a visitar com alguma constância os últimos lugares do grid e o único momento positivo na segunda metade do ano foi o caótico GP da Alemanha. Comas e Beretta, que largaram em 22º e 24º, respectivamente, se salvaram da hecatombe da largada e chegaram em sexto e sétimo.

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Philippe Alliot regressou para o GP da Bélgica

Apesar de conseguir ainda um bom 8º lugar na Hungria, aquela foi a última corrida de Olivier Beretta na Fórmula 1. O piloto de Mônaco foi dispensado e na Bélgica andou Philippe Alliot, que voltara à categoria como substituto de Mika Häkkinen na McLaren, em Budapeste. Não deu certo: o motor quebrou.

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Yannick Dalmas fez suas duas últimas aparições na Fórmula 1 em Monza e no Estoril

Outro velho conhecido do time regressaria na Itália e Portugal: Yannick Dalmas, recuperado da Doença do Legionário, rodou em Monza e foi 14º em Portugal. Nessa altura, o dinheiro da equipe estava nas últimas e o jeito foi leiloar os cockpits no fim do campeonato, para fazer as corridas finais.

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Jean-Denis Deletraz, o folclórico “Ládetrás”

O japonês (mais um) Hideki Noda estreou em Jerez de la Frontera e Erik Comas, coitado, teve que compreender que a situação da Larrousse era de total penúria. Na Austrália, deu lugar ao suíço Jean-Denis Deletraz, que em penúltimo largou e entre os últimos – ou em último – ficou até abandonar com quebra de câmbio.

Financeiramente quebrado, Gérard Larrousse ainda tentou uma cartada para o campeonato de 1995. Robin Herd desenhou o LH95, que nunca viu a luz do dia por falta de dinheiro. A equipe chegou a se inscrever para o Mundial de Fórmula 1 daquele ano e, na pré-temporada, deu oportunidade a vários novatos: Elton Julian, que correra na F-3 contra Gil de Ferran, testou o LH94. Além dele, Christophe Bouchut e Emmanuel Collard andaram com o carro e tinham chance de serem titulares.

Enquanto a equipe preparava uma versão B do LH94 para pelo menos estrear a partir do GP de San Marino, saltando com o perdão da FIA as corridas do Brasil e da Argentina, veio um rude golpe: Larrousse esperava por uma compensação financeira do governo francês pela proibição de publicidade alcoólica e tabaqueira, com a criação da “Lei Evin”.

Nada feito. O dinheiro não veio, a Ford se recusou a fornecer motores se não houvesse um pagamento adiantado e nem o Fast Group, entre cujos sócios estava o ex-piloto Patrick Tambay, conseguiu fazer com que a Petronas, que tinha planos de entrar na Fórmula 1, injetasse dinheiro no projeto. Os malaios preferiram assinar com a Sauber e a Larrousse, sem poder reunir condições financeiras e técnicas, fechou suas portas definitivamente.

A equipe disputou 127 GPs, primeiro usando chassis Lola e depois fabricando ela mesma seus próprios carros. Somando os pontos conquistados entre 1987 e 1994, Gérard Larrousse deixou a Fórmula 1 com 23 pontos no currículo de sua equipe e com pelo menos um pódio conquistado, aquele de Aguri Suzuki, no inesquecível (para todos eles) GP do Japão de 1990.

Comentários

  • Muito legal ler aqui sobre a minha equipe preferida do fundão. A Larrousse tinha tudo pra se consolidar na Fórmula 1, como a Jordan e a Sauber, mas infelizmente sempre sofreram com a falta de dinheiro. Até mesmo quando a situação parecia que ia melhorar, o destino pregava uma peça na equipe, e ela perdia boas oportunidades, como no caso do acordo com a Peugot.

    PS: Como essas últimas Larrousses eram lindas hein, especialmente essa com a pintura da Kronenbourg. Uma curiosidade: A Larrousse deveria correr com a pintura da Tourtel em Monaco, mas por “falta de tempo” (já devia ser de dinheiro mesmo, mas se saíram com essa desculpa), a equipe correu com a mesma pintura usada em Imola. Apenas os aerofólios traseiros foram pintados com o patrocínio da Tourtel.

    E, pra encerrar, 1994 com certeza foi um dos piores anos da história da Fórmula 1, com acidentes fatais, outros acidentes muito graves, tapetão e acidente controverso decidindo o título, mas como os carros eram lindos: Benetton, Footwork, Jordan, Larrousse, Ligier, a Sauber toda preta das primeiras corridas, Simtek….

    • Perdão por me alongar, mas um outro detalhe me passou batido aqui: Naquela corrida de Imola, o Comas era o único piloto que tinha noção da gravidade do acidente do Senna, justamente por ter sido liberado de forma errônea pelos fiscais para ir à pista. Os outros pilotos no grid não tinham noção nenhuma da gravidade do acidente.