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40 anos do bi

40 anos do bi, parte II – GP do Brasil de 1974

RIO DE JANEIRO – Duas semanas após a primeira prova do campeonato de 1974 na Argentina, a Fórmula 1 desembarcava no Brasil. O Autódromo de Interlagos, templo do automobilismo nacional, receberia pela segunda vez uma prova oficial da categoria, no espetacular e inesquecível traçado de 7,96 km de extensão. Vencedor em 1973 de ponta a […]

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RIO DE JANEIRO – Duas semanas após a primeira prova do campeonato de 1974 na Argentina, a Fórmula 1 desembarcava no Brasil. O Autódromo de Interlagos, templo do automobilismo nacional, receberia pela segunda vez uma prova oficial da categoria, no espetacular e inesquecível traçado de 7,96 km de extensão.

Vencedor em 1973 de ponta a ponta, Emerson Fittipaldi chegou a sua cidade natal com o objetivo de bisar o triunfo do ano anterior. Os acontecimentos do GP da Argentina já tinham ficado para trás e o foco era a disputa em Interlagos, que teria os mesmos 25 carros que alinharam em Buenos Aires, uma vez que a Ensign, insatisfeita com Rikki Von Opel, não veio ao Brasil e preferiu retomar o campeonato na temporada europeia, buscando uma reestruturação – e um carro novo, também.

O paddock de Interlagos, inclusive, foi o palco de uma das mais deliciosas histórias do esporte nestas plagas. A Shadow tinha trazido um carro destruído para o Brasil como parte dos seus equipamentos e a sucata do monocoque de Jean-Pierre Jarier jazia no fundo dos boxes do circuito paulistano. Era uma época de circulação quase livre pelas garagens do circuito e nisso estava lá alguém da Polar – não lembro se Ronald Rossi ou Ricardo Achcar – e veio o estalo: surrupiar o monocoque do Shadow e usá-lo como “estudo” para a construção dos primeiros Fórmula Super Vê do fabricante carioca.

Aí entrou em ação o Cardoso. Cardoso é uma das figuras folclóricas do automobilismo e, certa vez, deu até beijo na boca do Juan Manuel Fangio. Ele foi requisitado pela turma da Polar para fazer o serviço e tirar a todo preço o monocoque do Shadow dali de Interlagos e levá-lo para Maria da Graça, subúrbio do Rio de Janeiro. Numa cara-de-pau deslavada, o Cardoso chegou no fundo da garagem com uma Kombi e mandou os mecânicos da Shadow (sabe-se lá como…) depositarem a sucata no veículo. Os restos mortais do Shadow DN1 seriam, segundo o Cardoso, “periciados pela polícia”. A mentira colou e o Cardoso pegou a Dutra rumo ao Rio de Janeiro, com a valiosa carga.

Depois, soube-se que Don Nichols, chefe do time estadunidense, ameaçou dar queixa-crime na polícia alegando roubo e também que a escuderia teria problemas por conta da ausência do chassi registrado como carga temporária. Mas nada disso aconteceu e o automobilismo brasileiro evoluiu muito com esse acontecimento, pois o Polar foi o primeiro chassi monocoque da história do país e tornou-se o maior campeão das pistas nos tempos de Super Vê e Fórmula Volkswagen 1600.

Emerson fez a pole position com um tempo pior que o registrado nos treinos do GP do Brasil de 1973; brasileiro queixou-se que pista estava mais “lenta”

Voltando ao que interessa, os treinos começaram em 25 de janeiro, sexta-feira e feriado – aniversário de fundação da cidade de São Paulo. E na qualificação, Emerson começou a sentir cheiro de gol. Mesmo achando a pista mais lenta que em 1973, fez a pole position com o tempo de 2’32″97, dois décimos mais veloz que Carlos Reutemann. A veloz Ferrari de Niki Lauda ficou em terceiro, com Ronnie Peterson em quarto. José Carlos Pace qualificou-se em 12º no Surtees TS16, em 2’35″54.

A nota destoante do GP do Brasil de 1974 foi o péssimo comportamento de parte do público em Interlagos, atirando na pista garrafas e latas de bebidas de todos os tipos. Além disso, não havia material de limpeza e o próprio Emerson Fittipaldi, pessoalmente, limpou a pista tirando cacos de vidro que poderiam provocar furos de pneus e acidentes mais graves, principalmente nas velocíssimas curvas 1 e 2 do antigo traçado. Isso atrasou o início do warm up e também a corrida, com 40 voltas previstas.

Largada! Carlos Reutemann, na Brabham #7, pegou a ponta e liderou até a quarta volta

O diretor de prova Mário Pati baixou a bandeira mesmo com os mecânicos da Ferrari ainda no grid, tentando fazer funcionar o motor do carro #12 de Niki Lauda. Emerson preferiu a cautela e Carlos Reutemann partiu melhor ao seu lado, tomando a dianteira à frente de Ronnie Peterson e do brasileiro da McLaren, que inclusive foi imprensado pelo sueco na hora da tomada da primeira curva. Lauda tinha muitos problemas e tomou o rumo dos boxes no fim da 3ª volta, abandonando o GP do Brasil.

Reutemann perdeu a ponta para Peterson na quarta volta, no contorno da curva da Ferradura e logo a seguir, foi a vez de Emerson desbancar o argentino da Brabham, que rapidamente ficaria para trás. Na nona volta, Carlos perderia a 3ª posição para Clay Regazzoni. José Carlos Pace, que já se encontrava entre os seis primeiros desde a volta 11, também superou o piloto do #7, assumindo o quinto posto atrás da Lotus do belga Jacky Ickx.

A briga entre Ronnie Peterson e Emerson Fittipaldi chamou a atenção do público em Interlagos

A partir daí, Emerson começou a estudar os pontos mais favoráveis de Interlagos para tentar superar Peterson e a Lotus #1. O brasileiro viu que era melhor no retão e que o ponto de freada da curva 3 era ideal para a ultrapassagem. O piloto da McLaren tentava entrar colado no sueco nas curvas anteriores, antes do retão, para ganhar embalo. Mas a turbulência gerada pela Lotus de Ronnie não deixava.

Quem entrou em ação foi o retardatário Arturo Merzario, com o Iso-Marlboro #20. Prestes a levar uma volta dos líderes, o italiano desceu o retão com Ronnie e Emerson colados em seu carro. O piloto da Lotus fez a manobra natural por dentro e Emerson, surpreendentemente, puxou o carro para a direita e superou Merzario e Ronnie por fora, assumindo a liderança. Era a 16ª volta e Interlagos, claro, foi ao delírio completo.

Assim que se viu livre de Peterson, o brasileiro abriu confortável vantagem na ponta

Pego de surpresa pela manobra, Peterson não foi mais páreo para Emerson, que assim abriu confortável vantagem na liderança. Em quatro voltas, o brasileiro era absoluto na ponta e Peterson, com um pneu furado, precisou ir aos boxes para a troca. Isto levou Clay Regazzoni ao segundo lugar, mas a 16 segundos do líder. Jacky Ickx era o terceiro, com José Carlos Pace em quarto, Mike Hailwood em quinto e Carlos Reutemann em sexto. Peterson voltou em 10º após a troca.

Ronnie voltou disposto a salvar pelo menos um ponto e começou seu espetáculo pessoal. Deixou para trás o Hesketh de James Hunt, a Tyrrell de Jody Scheckter e o March do alemão Hans-Joachim Stuck. Nesse momento da disputa, Moco ensaiava uma aproximação para cima da Lotus de Ickx, que vinha num sólido terceiro posto.

José Carlos Pace tentou, mas não se aproximou da Lotus de Jacky Ickx; acabou em 4º lugar com o Surtees TS16

Na 29ª volta, Peterson roubou o sexto lugar de Reutemann. E tão logo isto aconteceu, começou a chover em Interlagos – no que não se constituiu numa surpresa, pois estávamos no verão e havia mesmo previsão de que isto aconteceria durante a corrida. As dificuldades variavam de curva para curva, devido a longa extensão do circuito. Como a corrida já tinha um número de voltas suficiente para que se conferisse a pontuação integral aos pilotos, Mario Pati decidiu encerrar a disputa com 32 voltas completadas.

No pódio, Emerson comemora com o troféu na mão direita; foi a primeira vitória dele na nova equipe e a 10ª da carreira na Fórmula 1

Ninguém reclamou. Nem a Ferrari e muito menos Carlos Pace, que tinha certeza de que no fim da disputa poderia suplantar Ickx e chegar ao seu segundo pódio na Fórmula 1. O belga não se importou e chegou ao primeiro pódio com a Lotus. Para Regazzoni, 2º colocado, o resultado não foi dos piores. Afinal de contas, o suíço assumia a liderança do Mundial de Pilotos.

Já nos lados da McLaren, confiança plena num ano de sucessos: as duas vitórias com Hulme e Emerson davam a certeza que o M23 era, de fato, um carro capaz de brigar nas primeiras colocações. Mas ainda haveria muito por vir e o campeonato estava apenas começando…

O resultado final:

1º Emerson Fittipaldi (McLaren), 32 voltas em 1h24min37seg06, média de 180,615 km/h
2º Clay Regazzoni (Ferrari), a 13seg57
3º Jacky Ickx (Lotus), a uma volta
4º José Carlos Pace (Surtees), a uma volta
5º Mike Hailwood (McLaren), a uma volta
6º Ronnie Peterson (Lotus), a uma volta
7º Carlos Reutemann (Brabham), a uma volta
8º Patrick Depailler (Tyrrell), a uma volta
9º James Hunt (Hesketh), a uma volta
10º Jean-Pierre Beltoise (BRM), a uma volta
11º Graham Hill (Embassy-Lola), a uma volta
12º Denny Hulme (McLaren), a uma volta
13º Jody Scheckter (Tyrrell), a uma volta
14º Henri Pescarolo (BRM), a duas voltas
15º Richard Robarts (Brabham), a duas voltas
16º François Migault (BRM), a duas voltas
17º Jochen Mass (Surtees), a duas voltas

Não completaram:

18º John Watson (Brabham), 27 voltas (embreagem)
19º Hans-Joachim Stuck (March), 24 voltas (transmissão)
20º Jean-Pierre Jarier (Shadow), 22 voltas (freios)
21º Arturo Merzario (Iso-Marlboro), 20 voltas (acelerador)
22º Peter Revson (Shadow), 11 voltas (superaquecimento)
23º Howden Ganley (March), 9 voltas (ignição)
24º Guy Edwards (Embassy-Lola), 3 voltas (falha num aerofólio)
25º Niki Lauda (Ferrari), 3 voltas (motor)

Melhor volta: Clay Regazzoni, na 26ª – 2’36″05, média de 183,633 km/h