RIO DE JANEIRO – John Colum Chrichton-Stuart Earl of Bute Dumfries trocou a nobreza do título de VII Marquês de Bute e a aristocracia dos castelos da Escócia pelo ronco dos motores, poças de óleo em oficinas, o cheiro da gasolina e pneu queimado. Os ternos e trajes da nobreza pelo macacão e capacete. E fez do automobilismo sua vida.
Hoje, Johnny Dumfries despediu-se. Precocemente, cedo demais. Tinha 62 anos, perdeu a vida para um câncer. Pode não ter sido – e talvez não fosse mesmo – um piloto brilhante. Mas entrou para a história de uma das mais conhecidas competições de todos os tempos e está nos compêndios da Fórmula 1.
Foi pela orientação de Dave Morgan que o garoto da nobreza virou piloto na Fórmula Ford inglesa. Em 1983, já estava na Fórmula 3 europeia e num confronto internacional em Silverstone, preliminar do GP da Inglaterra de Fórmula 1, terçou bigodes com a sensação da categoria na sua Grã-Bretanha: Ayrton Senna.
Na temporada seguinte, sem Ayrton – já na Fórmula 1 – Dumfries dividiu-se entre o Ingl^ês de F3 e a Euroseries da categoria. Com um Ralt Volkswagen, venceu 10 vezes na “Ilha” e foi campeão inglês e vice do Europeu, perdendo o título para outro jovem talento, Ivan Capelli.
As coisas não foram bem em 85, embora a Ferrari lhe tenha ofertado o papel de piloto de testes. Na recém-criada Fórmula 3000, esteve na Onyx Grand Prix, mas só fez um ponto em Vallelunga. Foi apeado do carro antes que o campeonato terminasse.
Com um currículo magro na categoria de acesso, ninguém entendeu como Dumfries, então com 27 anos, chegou à Fórmula 1. Ayrton Senna entende e Peter Warr, também. Primeiro, Senna vetou Derek Warwick na Lotus por razões que a própria razão desconhece. Depois, a John Player Special vetou Maurício Gugelmin, uma indicação de Ayrton – em termos: a JPS aceitou patrocinar o compatriota de Senna na Fórmula 3000 pela West Surrey. Para satisfazer a British Imperial Tobacco, veio Dumfries. Que em nada incomodaria a Ayrton.
Sua presença na categoria máxima não foi mesmo de encher os olhos. Mas se não era tão exuberante quanto Senna, o escocês não fazia besteira. Está certo: não se classificou em Mônaco. Mas nas demais etapas, em meio a nove abandonos, a maioria deles na primeira metade do calendário, conseguiu terminar seis e fez três pontos – 5º colocado no Hungaroring, na estreia do GP da Hungria e sexto em Adelaide, na Austrália.
O grande barato daquele ano é que no Lotus #11 de Dumfries foi instalada a primeira câmera onboard efetivamente usada nas transmissões de televisão. Invariavelmente, havia problemas técnicos e falhas de imagem. O que hoje virou lugar-comum era incrível há 35 anos atrás. Aliás, vejam aqui abaixo o vídeo de Dumfries a bordo da Lotus 98T Renault no GP da Austrália. Com narração do também falecido Murray Walker.
A passagem de Dumfries pela F1 foi efêmera e ele buscou outros caminhos: no Endurance, ajudou Raul Boesel a vencer os 1000 km de Spa para o brasileiro se consagrar campeão mundial do Grupo C. No ano seguinte, a bordo do Jaguar XJR9, venceu as 24h de Le Mans dividindo honras com Andy Wallace e Jan Lammers.
Curiosidade: em cinco participações em La Sarthe, foi a única vez em que Johnny esteve na quadriculada. Na estreia, pela Sauber-Mercedes em 1987, dividia o carro com ninguém menos que Chip Ganassi e Mike Thackwell. Depois, em 1989/90, foi piloto da equipe oficial de fábrica Tom’s Toyota e fez sua última Le Mans em 1991 com um Cougar C26S Porsche junto aos nórdicos Thomas Danielsson e Anders Olofsson.
Para dizer que ele nunca mais voltou a Le Mans, em 2003, já com 45 anos, fez o Journée Test daquele ano num protótipo DBA 4-03S Zytek da equipe Ree Nielsen Motorsport junto a John Nielsen e Hayanari Shimoda. Não disputaria a corrida: acabou substituído por Casper Elgaard.
E assim acabou a carreira de Johnny Dumfries. Hoje, ele partiu para outro plano. Que descanse em paz.