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Fórmula 1

Saudosas pequenas – Toleman, parte I

RIO DE JANEIRO – Muita gente acha graça quando dizemos que a Lotus da Fórmula 1 dos dias de hoje nada tem a ver com a de Colin Chapman e que existiu entre 1958 e 1994. E não tem mesmo, a começar por sua gênese.  A Lotus já foi a Renault, que já tinha sido a […]

RIO DE JANEIRO – Muita gente acha graça quando dizemos que a Lotus da Fórmula 1 dos dias de hoje nada tem a ver com a de Colin Chapman e que existiu entre 1958 e 1994. E não tem mesmo, a começar por sua gênese.  A Lotus já foi a Renault, que já tinha sido a Benetton, que por sua vez foi, entre 1981 e 1985, uma equipe britânica chamada Toleman.

A história da Toleman começa nos anos 20, não como escuderia automobilística, claro, mas como uma companhia de transporte e entregas sediada na região de Old Trafford, em Manchester. Fundada por Edward Toleman em 1926, a empresa mudou-se em dois anos apenas para Dagenham, em Londres. Nos anos 50, o filho de Edward, Albert, tomou as rédeas da companhia, mas quando o patriarca morreu em 1966, Ted Toleman tornou-se o chefão da Toleman Group.

Em 1977, Ted conheceu Alex Hawkridge, um entusiasta do automobilismo e a Toleman começou o seu envolvimento com o esporte a motor, primeiro na Fórmula Ford 2000. No ano seguinte, a recém-criada Toleman Motorsport alinhou um chassi March 782 com motor BMW para Rad Dougall.

Brian Henton andou bem no Ralt RT2 Hart da Toleman

Em 1979, ainda comprando chassis de outros fornecedores, Hawkridge contratou um sul-africano de nome Rory Byrne, para desenhar um Fórmula 2 próprio e, enquanto o carro não ficava pronto, Brian Henton disputou palmo a palmo com Marc Surer (March) e Eddie Cheever (Osella) o título europeu daquele ano, enquanto Dougall alinhava o velho March 782. O britânico acabou com o vice-campeonato, guiando um Ralt RT2 com motor Hart.

O primeiro projeto de Rory Byrne foi o vitorioso Toleman TG280; Brian Henton guia para o topo do pódio em Mugello

Na temporada de 1980, a Toleman alçou voo de cruzeiro: além de construírem carros para o time oficial, tiveram a Docking & Spitzley como clientes, além da San Remo Racing. O modelo TG280, o primeiro monoposto com a griffe Toleman, foi um sucesso. Aliado ao motor Hart e aos pneus Pirelli, com o suporte da British Petroleum, o desempenho da Toleman Motorsport foi excelente.

Brian Henton sagrou-se campeão europeu de Fórmula 2 com 61 pontos, três vitórias e nove pódios em 12 corridas daquele ano. Derek Warwick, seu companheiro de equipe, foi o vice-campeão, somando 42 pontos, uma vitória e sete pódios. Os pilotos dos times-clientes também conseguiram algum sucesso: Siegfried Stohr venceu em Enna-Pergusa, na Itália e Huub Rothengatter em Zolder, na Bélgica – corrida onde, aliás, quatro TG280 ficaram nas quatro primeiras posições. Ao todo, a Toleman venceu 50% das corridas de F-2 em 1980. Os chassis March ganharam quatro corridas e a AGS faturou duas etapas.

Isto motivou Ted Toleman e Alex Hawkridge a tentarem um baita salto no escuro: transformar a Toleman Motorsport numa equipe de Fórmula 1. No início das discussões, chegou-se a cogitar um acordo com a Lancia, que construía protótipos do World Sportscar Championship e preparava carros do Mundial de Rali. Mas a Toleman decidiu manter a parceria com Brian Hart e deu a oportunidade ao antigo piloto e então construtor de motores para estrear junto com o time britânico na categoria máxima do automobilismo.

Outra novidade a reboque da estreia da Toleman foi o retorno da Pirelli como fornecedora de pneus na Fórmula 1, o que não acontecia oficialmente desde o ano de 1958 – portanto, 23 anos desde a participação anterior dos italianos.

O Toleman TG181 com motor Hart era o carro mais pesado e o que tinha o motor menos potente

O primeiro chassis concebido por Rory Byrne para a equipe foi o TG181. Não era, logicamente, um primor de construção. O carro era muito mais pesado que todos os outros naquele ano – tinha 640 kg. E para completar, o motor Hart dotado de turbocompressor, alcunhado 415T (quatro cilindros e 1,5 litro de capacidade cúbica), não tinha a potência desejada. Debitava menos de 500 cavalos a menos de 10 mil rotações por minuto. Previa-se um ano duro pela frente.

Ausente das três primeiras corridas – EUA-Oeste, Brasil e Argentina – a Toleman fez sua primeira aparição no GP de San Marino, em Imola. Warwick e Henton foram os mais lentos na qualificação entre 30 pilotos. O que eles e a equipe não poderiam adivinhar é que isto seria uma triste rotina em várias corridas, com nenhum dos dois pilotos se qualificando.

Após nove fracassos consecutivos, a Toleman teve enfim uma alegria quando Brian Henton finalmente qualificou o TG181 para uma corrida: foi em Monza, para o GP da Itália. O britânico alinhou em 23º e penúltimo para terminar em décimo lugar.

Derek Warwick só estreou de fato na última prova do Mundial, o GP dos EUA em Las Vegas

Foi um resultado que injetou algum ânimo ao time e, embora no Canadá os dois pilotos tenham falhado a qualificação, Derek Warwick finalmente fez sua estreia na última corrida do ano, em Las Vegas. Largou em 22º e abandonou após 43 voltas por quebra de câmbio.

Ao mesmo tempo, os velhos Toleman TG280 ainda tinham uma sobrevida na Fórmula 2 europeia em 1981 – contudo sem serem tão competitivos quanto no ano anterior. Stefan Johansson, que competia na equipe Docking & Spitzley, associada à Toleman, alinhava por exemplo o modelo Lola T850. Com ele, o sueco venceu duas corridas naquela temporada.

Em 1982, a Toleman permaneceu na Fórmula 1 com o mesmo pacote técnico e o novato italiano Teo Fabi, então com 26 anos, sucedendo Brian Henton. O chassi TG181 foi adaptado à volta do efeito-solo e virou TG181C, com 50 kg a menos. O motor Hart, que não rendeu nada na temporada de estreia, ganhou mais potência – debitava 580 HP, e a equipe começou razoavelmente bem o ano. Warwick classificou-se em 14º no grid do GP da África do Sul em Kyalami e abandonou por batida.

Após a desclassificação de ambos os pilotos no Brasil e em Long Beach, a Toleman teve uma oportunidade ótima para marcar seus primeiros pontos no esvaziado GP de San Marino, em Imola. Sem muita oposição dos times britânicos, a equipe – que era do bloco da FISA, de Jean-Marie Balestre – poderia ter alcançado um bom resultado. Warwick abandonou com pane elétrica e Fabi, mesmo tendo recebido a quadriculada, não completou o número de voltas necessário para ter direito a classificação.

No GP da Bélgica, os dois pilotos não terminaram e em Mônaco, a velha rotina: Warwick e Fabi ficaram de fora. Alex Hawkridge sugeriu uma pausa para reavaliar o desempenho da equipe e a Toleman não viajou para a corrida de Detroit e muito menos ao GP do Canadá, em Montreal.

Progressos: Warwick faz o TG181C andar bem em algumas provas

O GP da Holanda marcaria um turning point na história da escuderia. Derek Warwick qualificou-se em 13º e abandonou com um vazamento de óleo. Mas o piloto entrou para a história ao fazer a volta mais rápida em prova com o tempo de 1’19″780. Soube-se, tempos depois, que o TG181C de Warwick estava, de fato, com pouco combustível e pneus Pirelli de composto macio. Uma artimanha bem-sucedida para angariar simpatia para a recém-chegada equipe.

Não tanto quanto o desempenho do GP da Inglaterra, em Brands Hatch. O que aconteceu naquela corrida em 18 de julho de 1982 foi absolutamente inesperado: décimo-sexto no grid, Warwick passou a primeira volta em décimo e galgou posições ultrapassando – pela ordem – Alain Prost, Michele Alboreto, Bruno Giacomelli e Andrea De Cesaris nas 10 primeiras voltas, sem contar a quebra da Brabham BMW de Nelson Piquet, que era o líder.

Inspirado, possuído ou talvez tudo isso junto, Warwick ganhou mais uma posição ao superar a Lotus de Elio de Angelis na 12ª volta e seis passagens mais tarde, o britânico já estava em terceiro, ao superar Derek Daly, da Williams.

De décimo-sexto para segundo: a impressionante escalada de Warwick leva Brands Hatch à loucura

A segunda posição era de Didier Pironi e a liderança de Niki Lauda, com McLaren. Pironi guiava para a Ferrari, a poderosa equipe italiana que seria campeã mundial de Construtores. Quem iria prever que, tal como Davi diante de Golias, a Toleman conseguiria a façanha de ultrapassar um carro vermelho? Pois Warwick deixou Pironi para trás e confortavelmente se instalou em segundo até a altura da 41ª volta, quando quebrou algo no Toleman TG181C e a torcida que lotava Brands Hatch – e se emocionou com o esforço do piloto – ficou triste.

Muita gente suspeitou que o desempenho fora do normal do piloto britânico naquela corrida tinha a ver com o fato do TG181C estar fora do regulamento. Como Warwick desistiu, isso nunca foi provado. Mas o bom desempenho do carro em Brands Hatch traria uma segunda metade de campeonato bem mais promissora do que o esperado.

No fim do ano, ainda sob o regulamento do efeito-solo, a Toleman já trazia o TG183

Muito embora o melhor resultado do ano tenha sido um 10º lugar no GP da Alemanha, a Toleman mostrou evolução, especialmente nos treinos classificatórios. No fim do ano, foi apresentado o TG183, o primeiro chassi da equipe concebido em compósito de fibra de carbono em detrimento do alumínio usado no TG181 e seus derivados. Só Warwick andou no modelo novo nas duas corridas finais em Monza e Las Vegas, onde conseguiu um ótimo 10º lugar no grid. Mas na Itália, o britânico bateu na primeira volta – ironicamente – com o antigo colega de equipe Brian Henton e em Vegas um problema nas velas do motor Hart tirou o piloto da disputa.

No próximo post, veremos como a Toleman conseguiu crescer em 1983 e impressionar em 1984 graças a um certo Ayrton Senna…