Discos eternos – Pilantrália (1969)

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RIO DE JANEIRO – Responda se puder: o que artistas como Roberto e Erasmo Carlos, Ronnie Von, Elis Regina, Tony Tornado, Clara Nunes, Fábio, Tim Maia e Wilson Simonal têm em comum? – além do fato de cantarem músicas em português, claro.

Pois é: todos esses nomes estiveram ligados num passado não muito remoto a um sujeito que marcou história na música brasileira e também no mundo do showbiz por se tornar uma personagem das mais controvertidas de todos os tempos: Carlos Eduardo da Corte Imperial.

Nascido na mesma Cachoeiro de Itapemirim de Roberto Carlos, seis anos antes do Rei, em 1935, Imperial foi um marqueteiro avant la lettre, muito além do seu tempo: promoveu o rock and roll, escreveu músicas, produziu discos, descobriu artistas, participou e produziu peças de teatro, escreveu e atuou em filmes, foi jurado e teve programa de televisão, decidiu samba-enredo da Portela, colunista de jornal e revista, vereador, candidato a prefeito… ufa… “tudo ao mesmo tempo”, até sua morte em 4 de novembro de 1992.

Em 56 anos de intensa vida, Imperial fez tudo isso e muito mais: tornou-se uma antiestrela da mídia, por ser um sujeito abrutalhado graças ao seu mais de 1,80 metro de estatura, seu peso que passava com frequência dos três dígitos e por se vestir quase sempre de modo, digamos, deselegante: jeans surrados, camisas de estampas espalhafatosas e, invariavalmente, calçando chinelos de couro. Tinha “inimigos” que não eram seus inimigos de fato: inventava rixas para promover os colegas e a si mesmo. A figura do vilão lhe caía bem em programas como o Esta Noite Se Improvisa e os desfiles de fantasia (sim, ele participou de vários!) no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Na música, além do envolvimento com tanta gente boa, Imperial deixou sua marca em canções como “A praça”, “O bom”, “Vem quente que estou fervendo”, “Você passa e eu acho graça” e muitas outras. Por suas ligações com Wilson Simonal e Nonato Buzar, no fim dos anos 60 liderou um movimento chamado de Pilantragem, uma resposta malandra e sacana ao Tropicalismo de Gil, Caetano, Tom Zé, Gal, Rogério Duprat e Os Mutantes, com suas músicas à la Chris Montez e Herb Alpert, o lendário arranjador do Tijuana Brass – “samba jovem” tocado no compasso 4/4, com levadas de rock e soul.

É certo e sabido que o artista que mais bem vestiu a camisa da Pilantragem foi Wilson Simonal, com discos de muito sucesso e shows onde o cantor regia as multidões. Mas a figura que encarnava melhor o estilo do movimento era, sem nenhuma dúvida, Carlos Imperial. E com muita surpresa, o agitador cultural resolveu montar um grupo e entrar em estúdio para deixar registrado o movimento em disco. Nasceu A Turma da Pesada.

É bom lembrar que antes do grupo de Imperial, já existia outro trabalho que evocava a Pilantragem: Nonato Buzar lançou primeiro A Turma da Pilantragem, que gravou dois discos homônimos e um terceiro internacional. Deste projeto, fizeram parte nomes como os de Cassiano, Fredera, Márcio Montarroyos, Alex Malheiros, José Roberto Bertrami, Ion Muniz, Victor Manga, Edson Trindade e Raul de Souza, além de outros nomes de relevância da música brasileira.

O grupo de Império seria um “concorrente” ao de Nonato e contava com uma verdadeira constelação de músicos ao redor do Gordo. O pianista era ninguém menos que Wagner Tiso, antes de ir para o Som Imaginário, onde encontraria Fredera. Edison Machado, o Edison Maluco, pilotava a bateria. Luiz Marinho era o baixista. No naipe de metais, gente como Paulo Moura, Aurino Ferreira, Maurílio, Oberdan Magalhães, Ed Maciel e Darcy da Cruz. Só gente de altíssimo nível. E para tocar um repertório tido como “uma grande bobagem”.

É. Talvez fosse. Mas as “bobagens” de Imperial vendiam horrores com Wilson Simonal cantando e ele queria marcar território na música brasileira de qualquer forma. As gravações do disco lançado pela EMI-Odeon através do selo Parlophone corriam em clima de brincadeira e descontração, com gente no estúdio nos mesmos moldes de Alegria! Alegria!, o trabalho que definitivamente lançou Simona ao estrelato. Pilantrália tinha alguns dos sucessos que ele cantara, como “Nem vem que não tem”, “Meu limão meu limoeiro”, “Vesti azul”, “Carango”, “Mamãe passou açúcar ‘ni mim'” e “Sá Marina”, esta última a única que não tinha a influência do Rei da Pilantragem na composição, pois fora feita por Antônio Adolfo e Tibério Gaspar.

Imperial não deixava por menos: registrou também na estreia d’A Turma da Pesada coisas como “Está chegando a hora”, “Parabéns para você”, “Laço de fita”, “Uni-duni-tê”, “Cidade Maravilhosa” e os hinos dos clubes mais populares do Rio, menos o do Vasco.

Musicalmente, Pilantrália pode não ser – e está muito longe disso – uma sumidade. Mas o Gordo fez barulho e seu grupo, reforçado pelas gêmeas mineiras Célia e Celma, que descobriu no grupo de Luiz Carlos Vinhas na boate Blow Up em São Paulo, além de Luiz Henrique, vulgo Gastão Lamounier e Bruno Ferreira, que depois se transformaria no conhecido maestro Leonardo Bruno – afora as intervenções entusiasmadas do amigo Ângelo Antônio, o Presunto, tido como um irmão torto de Carlos Imperial, permaneceu na ativa até o início dos anos 70, participando de programas de televisão a torto e a direito e enfileirando shows de algum sucesso no eixo Rio-São Paulo.

Este disco, único exemplar do grupo A Turma da Pesada, tornou-se uma espécie de trilha sonora informal do primeiro filme produzido por Império, chamado “O Rei da Pilantragem” e estrelado por Maria Pompeu e Paulo Silvino, virou item raro de colecionador, mas está à disposição para download em sites como os que celebram a vida e a obra de Edison Machado. Vale ouvi-lo para matar a curiosidade e entender um pouco mais do que foi a Pilantragem.

Ficha técnica de Pilantrália
Selo: Parlophone/EMI-Odeon
Gravado em 1969
Produzido por Carlos Imperial

Músicas:

1. Atire a primeira pedra/Está chegando a hora
2. Esperança
3. Parabéns pra você/Cidade Maravilhosa
4. Mamãe passou açúcar em mim/O bom/Nem vem que não tem
5. Hino do América/Hino do Botafogo/Hino do Fluminense/Hino do Flamengo
6. Meu limão, meu limoeiro/Peguei um Ita no Norte/Cabeça inchada
7. Vesti azul/Uni-duni-tê/De como um rapaz apaixonado perdoou por causa de um dos mandamentos/Carango
8. Laço de fita
9. O adeus
10. Pilantrália

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