A Mil por Hora
24 Horas de Le Mans

LE MANS, SUA LINDA!

LE MANS – Me recuso a escrever algo sobre a corrida desse fim de semana das 24 Horas de Le Mans. E por que deveria, se a moçada do GRANDE PRÊMIO deu conta do recado? Pra que isso? Não quero falar de Fernando Alonso campeão – embora mereça e muito festejar seu primeiro título mundial […]

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Registro histórico do craque José Mário Dias, com os três brasileiros vencedores das 24 Horas de Le Mans: Daniel Serra (AF Corse/LMGTE-PRO), André Negrão (Signatech-Alpine/LMP2) e Felipe Fraga (Keating Motorsports/LMGTE-AM)

LE MANS – Me recuso a escrever algo sobre a corrida desse fim de semana das 24 Horas de Le Mans.

E por que deveria, se a moçada do GRANDE PRÊMIO deu conta do recado? Pra que isso?

Não quero falar de Fernando Alonso campeão – embora mereça e muito festejar seu primeiro título mundial depois de 13 anos – num campeonato disputado apenas pela Toyota, que corre “de terno”. Só quando quebrasse mesmo o TS050 Hybrid poderia ter dificuldades. E olhe lá.

Eu queria começar falando do falso jornalista. Aquele falso amigo, aspone, puxador de saco, fomentador de panelinha, que fica fazendo jogo pela frente e te fodendo por trás. Conheci um tipinho desses na vida. Vagabundo e sem-vergonha.

Esses, em troca de favor, vendem a mãe se for preciso mas não entregam. Eu nunca precisei de favor algum para chegar onde cheguei em 23 anos de profissão. Não devo absolutamente nada a ninguém, a não ser à minha própria pessoa.

Tipos assim levam vantagem quase sempre – e eles estão espalhados pelo mundo inteiro, porque há pessoas que, infelizmente, são assim.

Só que as coisas mudaram e eu acho – sim, acho sim e tenho todo o direito de achar – que finalmente houve justiça com relação à minha pessoa.

Porque tudo conspirou para que (quase) tudo desse certo, exceto os normais aborrecimentos de não vir a uma pista fora do país havia onze anos – a última fora Valência, em 2008.

Não vou aceitar ser baba-ovo de ninguém. Podem achar o que quiserem de mim, não estou nem aí.

Já sei que haverá sempre um mal-amado que poderá dizer que A foi mais entrevistado que B, do que C. A gente tenta dar igual relevância a TODOS os pilotos brasileiros. Mas eles nem sempre podem nos atender quando solicitados. É frustrante? Sem dúvida. Mas a gente tenta abstrair e levar adiante o negócio.

E em Le Mans há tanta coisa boa e bacana que você pode – literalmente – se perder.

Tem os dinamarqueses, que são animados e muito loucos – aliás, como pode aquele país ter 1% de sua população reunida aqui e espalhada pela cidade inteira? Eu fico pasmo com isso. Que deve se chamar paixão, loucura e vontade.

Deve ser porque a atmosfera aqui é diferente e a gente sente a cada passo. A cada ida no Village, uma nova surpresa. Realmente Le Mans é um negócio fora do comum.

É por ser assim que, mesmo diante de uma situação que parecia caótica, deu pra virar o jogo e participar de uma cobertura histórica. Entre erros e acertos, vencemos todos.

Rodrigo Baptista foi a gratíssima surpresa entre os brasileiros, ao terminar em sua estreia com o 3º lugar na classe LMGTE-AM, na 87ª 24 Horas de Le Mans (Foto: José Mário Dias)

Venceram Felipe Fraga, André Negrão e Daniel Serra. Rodrigo Baptista, com seu jeito caladão, mostrou que é do ramo e também foi ao pódio. Mostrou um belo cartão de visitas ao pessoal de La Sarthe.

Do Fraga e do Daniel não poderia esperar nada diferente. São dois craques, campeões da Stock Car, com uma coisa em comum: ganharam em suas estreias. Serra fez algo ainda mais notável. Triunfou em duas edições, num espaço de três anos, por duas marcas diferentes – sendo que em 2019, no ano do 70º aniversário da primeira vitória da Ferrari na lendária pista francesa. Coisa de monstro.

A última nota positiva fica por conta, claro, do André Negrão.

Eu não devo favor a piloto nenhum, mas acho o seguinte. O dever do jornalista é informar quem está bem e quem tem tido performance nas competições de automobilismo. Então, a partir do momento em que o André começou a se sobressair nos protótipos do WEC, é claro que meu dever era mostrar ao público que aquele cara recomeçava seu caminho no esporte de forma diferente daquela que ele experimentou a vida inteira – dos karts aos monopostos.

Varando a noite de La Sarthe, o Alpine de André Negrão/Pierre Thiriet/Nico Lapierre levou o título mundial na classe LMP2: a conquista não mereceu de alguns portais a relevância merecida (Foto: José Mário Dias)

Ganhar em La Sarthe não é pra qualquer um. Ganhar duas, seguidas, e ainda por cima sendo campeão mundial da classe LMP2 – e ainda por cima representando a histórica marca Alpine – é um negócio que deveria ser muito mais comemorado e lembrado.

Mas, não: o UOL fez uma nota de merda sobre as 24h de Le Mans, reduzindo a conquista a algo menor.

Pombas! Todo mundo sabia, eu sabia, minha mãe sabia, meu filho sabia, meus amigos brasileiros sabiam, a torcida do Íbis sabia que Fernando Alonso seria campeão e a probabilidade disto não acontecer era igual a de um meteoro cair em Le Mans neste domingo.

Então não me venham com jornalismo que passa recibo de incompetência ou, por outra, que se curva à monocultura esportiva do futebol e que acostumou mal o público ao tentar fazer crer que o esporte a motor se resume apenas à Fórmula 1.

O Fox Sports deu um banho de cobertura, com três janelas de transmissão – incluindo o período mais espetacular (minha opinião…), que é o noturno.

Este que vos escreve fez até o quase impossível. Entrei na roda gigante para fazer imagens e registrar um momento que pra mim era único, raro e especial. Não ir ao principal cartão-postal do circuito francês é igual a estar no Vaticano e não ver o Papa.

Eu morro de medo de altura. Mas toparia qualquer coisa pelo desafio. Le Mans me fez vencer um pouco do meu medo.

Pisar nesse solo sagrado, andar quilômetros e mais quilômetros todos os dias, sair do circuito neste domingo completamente “na capa do Batman”, estropiado, fodido, cabeça sem controle sobre as pernas, vontade de chorar, puta que pariu, não podia me emocionar, mas… me emocionei.

Foi impossível não lembrar de certas coisas ao estar ali ao rés do pódio, o que não podia deixar de fazer em momento algum neste domingo.

Me vêm à cabeça aquelas lembranças tão desagradáveis de 2017, daquele gesto escroto de um alguém que nunca mais foi lembrado por equipe alguma para correr aqui (por que será?), que hoje recebeu o troco com tapa de luva de pelica.

Posso dizer hoje que estas 24 Horas de Le Mans, vividas intensamente desde o momento em que cheguei ao circuito na quinta-feira, representam minha maior realização profissional como jornalista, apesar dos percalços.

Ao fundo, o histórico pódo das cerimônias de premiação… o sorriso é maior que o cansaço e o sonho de ir à Le Mans foi plenamente realizado. VENCI!

Quero agradecer a todo mundo que tornou isso possível – de coração. O carinho dos colegas do Fox Sports foi enorme, comovente. Aos demais jornalistas que igualmente ficaram felizes. A todo mundo que trocou mensagens e assistiu à corrida não só no Brasil como aqui. Encontrei pelo menos três torcedores brasileiros em Le Mans – e com dois deles fui a um pub típico da Inglaterra chamado Mulligan’s.

Uma noite memorável. De alegria, realização e diversão.

Encontrei a palavra para descrever o que foram essas 24 Horas de Le Mans pra mim: memoráveis.

Para mim e para as mais de 252,5 mil pessoas que passaram por lá neste fim de semana.

Agora que já fomos apresentados um ao outro, tenho o direito de querer voltar lá de novo, não é não?

Le Mans: eu vim, vi, vivi, sobrevivi e VENCI!

Sua linda!