A Mil por Hora
24 Horas de Le Mans

Porsche: Das Prototyp!

RIO DE JANEIRO – Quem apostou todas as suas fichas na Audi para arrebatar as 24 Horas de Le Mans pela 14ª vez na história entrou por um cano deslumbrante, como diria o grande Nelson Rodrigues. Aliando uma resistência insuspeita à sua natural velocidade, a rival Porsche arrebatou dos quatrargólicos o favoritismo e confirmou o […]

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A 17ª conquista da Porsche nas 24h de Le Mans veio com o trio mais improvável da marca alemã: e NIco Hülkenberg estreia em Sarthe com uma vitória que ele nunca teve chance de conquistar na Fórmula 1

RIO DE JANEIRO – Quem apostou todas as suas fichas na Audi para arrebatar as 24 Horas de Le Mans pela 14ª vez na história entrou por um cano deslumbrante, como diria o grande Nelson Rodrigues. Aliando uma resistência insuspeita à sua natural velocidade, a rival Porsche arrebatou dos quatrargólicos o favoritismo e confirmou o resultado dos treinos classificatórios para manter sua hegemonia na maior prova de Endurance do planeta, ampliando seu total de vitórias para 17.

Além do gosto especial de bater a Audi na segunda aparição do construtor em seu retorno à classe LMP1, a Porsche venceu a prova com a mais improvável de suas trincas: o carro #19, inscrito somente para esta corrida e também para Spa-Francorchamps, acabou por faturar a longa e difícil disputa com o piloto de Fórmula 1 Nico Hülkenberg, partilhando o bólido com o britânico Nick Tandy e o neozelandês Earl Bamber. Uma trinca que mostrou ótimo entrosamento e muita rapidez dentro da pista, principalmente no período noturno, onde a liderança se consolidou até a quadriculada.

Hülkenberg entra para os compêndios como o primeiro piloto a disputar uma temporada completa da categoria máxima e vencer em Sarthe desde Didier Pironi em 1978. Registre-se que Johnny Herbert e Bertrand Gachot também estavam na F1 em 1991, mas não disputaram todo aquele campeonato e Yannick Dalmas, ganhador em Le Mans em 1994, só fez duas corridas pela Larrousse. A Porsche também quebrou a hegemonia dos motores turbodiesel que já vinha desde 2006. Havia uma década que um carro com motor turbocomprimido e movido a gasolina não ganhava em Le Mans.

Aliás, cabe registrar que o carro #19 vencedor neste domingo poderia ter tido no cockpit – além de Hülkenberg – outro piloto da Fórmula 1: o espanhol Fernando Alonso, bicampeão da categoria, recebeu uma proposta para guiar em Sarthe pelo construtor alemão e esteve por um triz para assinar o contrato. Só não o fez porque a Honda e a McLaren o impediram. Gostaria de saber, sinceramente, o que passa na cabeça do piloto asturiano ao ver exatamente esse carro recebendo a quadriculada em primeiro.

Um público recorde de 263,5 mil pessoas acompanhou a frenética disputa entre Porsche e Audi, na qual ambos os construtores lideraram. Os Audi #7 dos tricampeões da prova Marcel Fässler/Bénoit Tréluyer/Andre Lotterer e o #9 dos “patinhos feios” Filipe Albuquerque/René Rast/Marco Bonanomi foram sérias ameaças. Mas o #19, graças a uma performance excepcional de Nick Tandy no período noturno, veio para a dianteira após a volta 161 e de lá não saiu mais – com exceção de oito voltas apenas. Liderar 226 giros de um total de 395 evidenciou a brilhante performance do trio. É claro que Hülkenberg, por ser um piloto mais “em evidência”, leva os louros, mas desmerecer o que fizeram Tandy e Bamber seria ridículo.

A Porsche ainda comemorou seu histórico triunfo em dobradinha, pois o #17 muito bem conduzido por Timo Bernhard/Brendon Hartley/Mark Webber chegou logo atrás, em segundo. A Audi reconheceu a derrota e foi muito bonito ver o chefão Wolfgang Ulrich abraçando os compatriotas germânicos no boxe vizinho, encharcado de lágrimas. O vice-presidente do projeto LMP1 Fritz Enzinger, muito emocionado, não conteve o choro após a quadriculada. Para a marca de Ingolstadt, terminar com os três carros inteiros – ou quase – não foi tão ruim assim.

Após o acidente de Loïc Duval no início da corrida, o 4º lugar não pode ser considerado tão ruim para ele, Oliver Jarvis e o brasileiro Lucas Di Grassi

Lucas Di Grassi e seus parceiros fizeram o que lhes foi possível e terminaram em 4º lugar. Para o brasileiro, um pequeno travo de azedume na boca por ficar fora do pódio e por ainda não alcançar a primeira vitória na geral. Mas é questão de tempo: outra vez ele fez um bom trabalho. O acidente sofrido por volta da 3ª hora de prova prejudicou de fato a trinca do #8 numa disputa tão equilibrada quanto esta que vimos no fim de semana. Já o #9 de Albuquerque/Rast/Bonanomi chegou só em sétimo porque o sistema Flywheel que oferece 272 HP extras às rodas dianteiras falhou e o carro perdeu potência. Chegaram a ser a trinca mais competitiva da marca na prova, junto aos “patinhos feios” de Weissach – que venceram.

A Toyota fez uma corrida apagada toda vida. Graças ao problema do terceiro Audi chegou com seu melhor carro em sexto, oito voltas atrasada. Do contrário, teria feito apenas sétimo e oitavo lugares. Os campeões mundiais do WEC Anthony Davidson e Sébastien Buemi nem de longe puderam repetir as boas performances do ano passado – pelo menos salvaram importantes pontos para a classificação do campeonato – ainda liderado pela trinca Fässler/Tréluyer/Lotterer, com 80 pontos. Mas ficou claro que os japoneses precisam de muito mais se quiserem vencer em Sarthe de forma inédita.

E por falar em japoneses, o que dizer da Nissan? Deu pena ver os GT-R LM Nismo se arrastando pela pista, alternando voltas razoáveis com paradas longuíssimas nos boxes. O carro #21 foi o primeiro a ir a nocaute: perdeu uma roda em meio à escuridão e não conseguiu voltar aos boxes. O #23 se entregou com problemas insolúveis de câmbio e o único que viu a bandeirada foi o #22 de Harry Tincknell/Alex Buncombe/Michael Krumm. Mas por não terem completado 75% da distância regulamentar – cumpriram apenas 242 voltas – acabaram não classificados. Pior papel fez o ByKolles, que se arrastou a corrida inteira e foi excluído na vistoria técnica. Os dois Rebellion R-One com motor AER Biturbo, mesmo com diversos problemas ao longo das 24 Horas, cumpriram a corrida com honra e receberam a quadriculada.

Dominante: o lindo Oreca 05 NIssan da KCMG Racing, muito bem conduzido por Richard Bradley/Nicolas Lapierre/Matt Howson levou a vitória sem ser contestado na classe LMP2

Na LMP2, a KCMG foi absoluta de início ao fim, com uma performance extraordinária do trio formado por Nicolas Lapierre/Richard Bradley/Matt Howson, que receberam a quadriculada em nono na geral após 358 voltas cumpridas. Foi a maior vitória da história do time asiático, que festejou com pompa e circunstância a conquista da liderança no Mundial de Pilotos da categoria, com 78 pontos agora somados por Bradley e Howson. Em 2º na classe (sem marcar pontos para o WEC, registre-se) terminou a Jota Sport e seu bom e velho Gibson 015S Nissan, com Simon Dolan/Oliver Turvey/Mitch Evans. O pódio teve ainda a trinca do #26 da G-Drive Racing, formada por Julien Canal/Roman Rusinov/Sam Bird, que fizeram jus aos pontos do segundo lugar no Mundial de Endurance.

Para o brasileiro Pipo Derani, foi uma primeira experiência em Sarthe de enorme aprendizado: o piloto de apenas 21 anos chegou em 4º lugar na categoria e 12º na geral ao lado dos companheiros Ricardo González e Gustavo Yacamán. Se faltou ritmo para chegar ao pódio, já que terminaram quatro voltas atrás dos três primeiros colocados, o resultado foi importante para consolidar a trinca do #28 da G-Drive Racing na luta pelo título de 2015.

“Foi uma boa corrida, com alguns probleminhas no começo. A gente teve um problema no software do carro e, por isso, não funcionava o limitador de velocidade nos boxes. Tomamos uma punição de 1min50s, caímos para 11º e viemos recuperando”, contou Derani, que já tem dois pódios na temporada.

A primeira experiência de Pipo Derani acabou com o 12º lugar na geral, quarto na LMP2: resultado importante na luta pelo título do WEC

“Eu e o Gustavo ficamos revezando a maior parte da noite, fazendo três saídas com o mesmo pneu, só abastecendo. Saía um e entrava o outro. Na minha penúltima saída, tivemos um problema na suspensão, quebrou o amortecedor e tive de andar metade do stint, 1h30, com a suspensão quebrada. Parei, fizemos a troca da suspensão e, no final das contas, o quarto lugar na estreia não foi ruim. Óbvio que em Le Mans para ganhar tem que dar tudo certo e nada pode dar errado. Então, contando com esses probleminhas, acho que foi muito bom”, ressaltou o brasileiro.

“Gostaria de agradecer muito a toda a equipe. Eles trabalharam duro e ficaram acordados as 24 horas. Quando tive de trocar a suspensão, passamos muito pouco tempo nos boxes. Fruto do trabalho de uma equipe bem estruturada e capaz, da qual tenho orgulho de fazer parte”, frisou Derani.

“Foi uma experiência única. Nunca achei que fosse ficar tão cansado em um dia de corrida, como hoje. Uma experiência que só vivendo realmente a gente sabe como é. Estou muito feliz, mas estou ‘quebrado’. Foram bons pontos para o campeonato, porque terminar essa corrida era extremamente importante, porque a pontuação era dobrada, e agora é focar na briga pelo título nas próximas etapas”, finalizou.

Um acidente na madrugada tirou de Fernando Rees e dos parceiros Richie Stanaway e Alex MacDowall a chance de pódio na LMGTE-PRO

Na LMGTE-PRO, Corvette, Ferrari e Aston Martin foram as principais protagonistas e o construtor britânico teve muita chance de conquistar mais uma vitória no WEC neste ano. Contudo, o #97 com pintura “Art Car” deixou a disputa e o #99 de Fernando Rees/Richie Stanaway/Alex MacDowall, que largou na pole position, envolveu-se numa colisão com o Oreca 05 Coupé Nissan LMP2 guiado por Tristan Gommendy no fim da madrugada. O acidente afastou as possibilidades do brasileiro de estrear em Sarthe com vitória. O conserto do carro foi efetuado, mas Rees e seus parceiros tiveram que se contentar em chegar na 6ª colocação da divisão – 34ª na geral – com 320 voltas percorridas.

Com os problemas dos rivais, a Corvette Racing conquistou a “Tríplice Coroa” das provas de Endurance em 2015: ganharam em Daytona, Sebring e em Le Mans

A vitória ficou com o Chevrolet Corvette C7-R do trio formado por Oliver Gavin/Tommy Milner/Jordan Taylor, que completaram a prova com cinco voltas à frente da Ferrari de James Calado/Davide Rigon/Olivier Beretta – carro que largou da última posição da divisão. A trinca do #51 formada por Gianmaria Bruni/Giancarlo Fisichella/Toni Vilander chegou a flertar com mais uma conquista nas 24 Horas de Le Mans, mas um imprevisto problema de transmissão a menos de duas horas do fim da disputa tirou do carro do time de Amato Ferrari a chance de mais uma vitória. Acabaram em 3º lugar na classificação geral da World Endurance GT Drivers, da qual Bruni e Vilander são líderes, com 61 pontos. Rees/MacDowall/Stanaway estão em 5º lugar com 39.

A Aston Martin também poderia ter ganho na LMGTE-AM, bisando o triunfo conquistado no ano passado: o carro #98 de Pedro Lamy/Mathias Lauda/Paul Dalla Lana fez uma corrida excepcional e liderou grande parte da disputa. Porém, com 23h08min de disputa, a vitória escapou por entre os dedos devido a um acidente sofrido por Dalla Lana nas chicanes Ford. O piloto canadense queixou-se de pneus frios – mas com a panca, não houve condições de recuperação. A trinca acabou sem classificação e sem pontos no campeonato, resultado cruel demais para quem trabalhou tanto para ganhar. Registre-se que Lamy correu debilitado em razão de uma varicela.

Caiu no colo: a Ferrari da SMP Racing herdou a vitória na LMGTE-AM

Com o acidente, a equipe russa SMP Racing, que sempre se manteve distante do carro líder, herdou a vitória por estar no momento certo e na hora certa para levar os pontos da vitória. Mérito do trio formado por Aleksey Basov/Viktor Shaitar/Andrea Bertolini, que fechou a disputa com 332 voltas e em 20º na geral. O ator estadunidense Patrick Dempsey era outro que estava muito emocionado ao fim da disputa, pois seu Porsche 991 RSR conquistou um brilhante 2º lugar na categoria, num trabalho muito bom dos pilotos profissionais Patrick Long (em especial) e Marco Seefried. O pódio foi completado pela valente Scuderia Corsa e seus pilotos Townsend Bell/Bill Sweedler/Jeffrey Segal, que sobreviveram a quatro pneus furados, uma punição, uma rodada e alguns problemas mecânicos. Um grande resultado para o time que disputa o Tudor United SportsCar Championship.

Valentia: a Scuderia Corsa superou vários problemas e chegou ao pódio da LMGTE-AM com o 3º lugar na prova de estreia da equipe do Tudor United SportsCar Championship

Para finalizar, gostaria de agradecer imensamente o carinho e o retorno dos fãs de automobilismo para a transmissão do Fox Sports neste fim de semana. Vocês em casa e nós – eu e o narrador Hamilton Rodrigues – fomos presenteados com a extensão do horário no sábado e a possibilidade de presenciar uma vitória histórica em todos os sentidos neste domingo. Tenho certeza que fizemos um trabalho muito bom e que agradou muito aos exigentes fãs da velocidade. Em quase 20 anos de profissão, foi o maior momento da minha carreira de jornalista e um evento que nunca escondi a vontade de trabalhar.

Missão cumprida. A todos, meu muito obrigado, sem exceção. Ao pessoal do Fox Sports, da chefia à programação, passando pela parte técnica e de engenharia da emissora em que trabalho e ao Grande Prêmio, principalmente ao Flavio Gomes, ao Victor Martins e ao Renan do Couto. O blog A Mil Por Hora cumpriu brilhantemente seu papel e tornou-se referência neste fim de semana quando o assunto foi Le Mans.

Que venha a próxima. Em 2016, estarei lá!