IMSA, 24h de Daytona: bi da Acura, Meyer Shank no topo do pódio após dez anos, tripla vitória brasileira e Castroneves é bicampeão consecutivo

RIO DE JANEIRO – Sempre que uma prova grandíssima do automobilismo mundial termina da forma como terminaram as 24h de Daytona deste fim de semana, fico tentando encontrar palavras que a definam. O dicionário tem tantos adjetivos que por vezes não sabemos nos servir deles para poder expressar nosso sentimento.

O meu é de dever cumprido porque no blog e no meu canal do YouTube fiz o que estava e até o que não estava ao meu alcance para poder mostrar às pessoas o quanto ainda vale a pena investir em automobilismo. O amigo Andre Duek atentou para um detalhe: NENHUM piloto dos nossos que correu na etapa inaugural do IMSA Weathertech SportsCar Championship, que também valeu como abertura do Michelin Endurance Cup – que ainda terá Sebring, Glen e Petit Le Mans – envergava qualquer patrocínio ‘made in Brazil’. Longe vão os tempos em que o esporte a motor ainda era um campo explorável. Hoje, os patrocínios de diversos eventos esportivos são duvidosos – para não dizer o mínimo.

E quando o esporte em que a gente mergulha de cabeça, é o nosso ganha-pão e ainda por cima é uma paixão que vem de menino traz as emoções que afloraram nesse fim de semana, não há como agradecer: eu te amo, automobilismo!

Foram 761 voltas de intensidade, entrega e pegas fantásticos, de tarde, de noite, de madrugada e de manhã. A qualquer hora do dia o ‘couro comeu’ na Flórida e ninguém pode se queixar de monotonia numa prova de Endurance – aliás, tristes os que acham que corridas do gênero não têm emoção. E como têm! Às vezes, muito mais do que muita corrida de tiro curto por aí.

É claro que o formato à americana pode não agradar, mas a IMSA privilegia sobretudo o espetáculo e quem ganha é quem assiste. Claro, para os pilotos não há nada melhor do que vir numa ‘remontada’ e vencer. Mas sempre há o componente do imponderável e do imprevisível a assombrar.

E foram duas equipes que tiveram estouros de pneu antes do primeiro terço de prova que acabaram protagonizando a batalha final pela vitória e pelo Rolex oferecido aos que chegassem à frente no Victory Lane. As duas equipes clientes da Acura: Meyer Shank Racing w/Curb Agajanian e Wayne Taylor Racing. De retrospectos opostos, pois se uma só venceu uma vez – em 2012 – antes desse ano, a outra tinha quatro triunfos só nas últimas cinco edições da disputa.

A MSR lutou muito, recuperou uma volta perdida e a WTR, duas. Quando as equipes Cadillac piscaram os olhos, lá estavam os protótipos montados na plataforma Oreca duelando pela ponta. E o #60 levou a melhor sobre o #10, após 761 voltas percorridas.

Uma corrida de 24h da magnitude da 60ª edição da prova de Daytona não se ganha sozinho. A equipe também colaborou muito e os pilotos deram conta do recado – palmas para Oliver Jarvis, Tom Blomqvist e Simon Pagenaud – mas Hélio Castroneves, o interminável, volta a impressionar.

Aos 46 anos, fôlego de adolescente, o “Homem-Aranha” leva mais um Rolex, torna-se o primeiro brasileiro bicampeão seguido de um dos pilares da Tríplice Coroa do Endurance e mostra que idade é só um detalhe na carteira de identidade. Helinho senta a bota como se ainda estivesse na F3 Sudam, ou na Indy Lights, ou na Bettenhausen ou Hogan – suas primeiras equipes de Indy antes do ‘casamento’ de tantos anos com o Team Penske. Sua presença eleva o nível do time. E se já guiou isso nesse fim de semana, esperem só na Indy como titular novamente…

E Castroneves não bateu no final a um piloto qualquer. Ricky Taylor, que o brasileiro conhece bem do programa da Penske na IMSA e da vitória com a WTR ano passado, é um velocista e mesmo ele não pôde contra Helinho. A margem foi mínima – pouco mais de três segundos – mas o brasileiro foi soberbo ao segurar o rival.

Para a MSR, outra vitória cheia de significados: após triunfarem na edição dos 50 anos com Ozz Negri, John Pew, AJ Allmendinger e o saudoso Justin Wilson, a equipe de Mike Shank e Jim Meyer (cabe lembrar que o Liberty Media também é sócio) dá à Acura um histórico bicampeonato na disputa e um gás tremendo para o fabricante oriental (Acura é a divisão de modelos luxuosos e SUVs da Honda nos EUA) dentro da futura plataforma GTP a estrear em 2023 – onde a Acura estará com a MSR e a WTR.

A Cadillac perdeu três de seus cinco carros – os dois da Ganassi Racing, que correrá este ano com o nome Cadillac Racing e o #48 da Ally/Action Express, tendo o consolo do 3º lugar com a equipe considerada o azarão da prova – a JDC-Miller Motorsports, com Tristan Vautier/Loïc Duval/Ben Keating/Richard Westbrook, deixando o #31 de Pipo Derani/Mike Conway/Tristan Nunez em quarto.

Nocauteada por falhas mecânicas, a Ganassi viu pelo menos o #01 guiado por Álex Palou num de seus turnos marcar a melhor volta da prova numa gelada Daytona Beach – temperaturas beiraram 0°C de madrugada: o espanhol cravou 1’33″724 e Earl Bamber, no outro DPi do time, 1’33″811.

E quando se fala em ‘remontada’, o que dizer do que aconteceu à DragonSpeed na LMP2? Chegaram a figurar três voltas atrás dos líderes da categoria, mas os períodos de Full Course Yellow (FCY), bem como o desempenho estonteante de Colton Herta e Pato O’Ward em seus turnos, fizeram a diferença a favor do #81 também guiado por Devlin Defrancesco e Eric Lux, que recuperou a desvantagem e conseguiu perto do fim uma vitória espetacular – embora o suiço Louis Deletraz tenha dito que foi ‘longe do aceitável’ a disputa que rendeu aos rivais da Tower Motorsport, equipe que Louis defendeu junto a John Farano, Rui Andrade e Ferdinand von Habsburg o triunfo e o 5º lugar na geral.

A Tower ainda perderia o 2º posto da categoria para o Racing Team Nederland, que recuperou uma volta inteira e ainda acabaria beneficiado pelo último período de neutralização, provocado por uma quebra do Lamborghini da TR3 guiado por Giacomo Altoè a menos de 1h do final.

Na divisão LMP3, a Riley Motorsports ganhou de novo a prova e Felipe Fraga, que ano passado não pôde comemorar o triunfo por ter sido impedido de viajar para os EUA, deu o troco com juros e correção: autor da melhor volta com 1’42″133, o piloto nascido no Pará e radicado no Tocantins foi impecável e contou com a parceria de Gar Robinson, Michael Cooper e do novato Kay Van Berlo para ganhar o seu Rolex. O quarteto chegou em 13º na geral e com uma volta de frente para a Sean Creech Motorsport, com Malthe Jakobsen/Seb Priaulx/João Barbosa/Lance Willsey. A CORE Autosport ficou com o último degrau do pódio sendo vítima de uma penalização por ultrapassagem em bandeira amarela durante o período derradeiro de FCY.

Entre os modelos de Grã-Turismo que deram um enorme frescor às classes GTD e GTD Pro com 35 veículos e dez construtores envolvidos, provavelmente muitos ficaram desapontados com as más performances de BMW com o novo modelo M4 GT3 desenvolvido incansavelmente por Augusto Farfus e Corvette – e talvez mais com esta última após o downgrade do C8.R para o novo regulamento.

Mas desapontamento inexistiu quando o assunto foi disputa e briga pela vitória – a da GTD Pro, então, entrou para os compêndios pela pilotagem épica de Mathieu Jaminet com o carro #9 da Pfaff Motorsports e Laurens Vanthoor no #2 da KCMG.

Jaminet guiou feito gente grande e batalhou de igual pra igual com um dos melhores – quiçá hoje o melhor dentre todos – pilotos de Grã-Turismo da galáxia. A batalha final teve de um tudo e terminou com enrosco e Vanthoor levando a pior na chicane “Bus Stop” agora batizada Le Mans.

Palmas também para Felipe Nasr, que estreou na casa Porsche com o pé direito – literalmente – e contribuiu muito junto ao australiano Matt Campbell para o triunfo do time com sede no Canadá, à frente da surpreendente Risi Competizione, que se encontrou em ritmo de corrida e fez um grandíssimo 2º posto com o quarteto excepcional que dispunha, formado por Ale Pier Guidi, James Calado, Davide Rigon e Daniel Serra.

Nasr elevou assim o total de brasileiros vitoriosos em Daytona a 10 – além dele, Fraga e Helinho, ganharam Augusto Farfus e Raphael Matos (estes em subclasses como Nasr e Fraga) e Ozz Negri, Raul Boesel, Pipo Derani, Tony Kanaan e Christian Fittipaldi. Não é pouco, não.

A Porsche também venceu na GTD com um desempenho exemplar da Wright Motorsports e seu quarteto formado por Ryan Hardwick, Jan Heylen, Zach Robichon e Richard Lietz. Surpreendente foi a 2ª posição da Magnus Racing na estreia do novo carro da equipe – o Aston Martin Vantage GT3. A Gilbert Korthoff Motorsports alcançou um inesperado pódio, beneficiada por uma penalização à Ferrari da AF Corse, que terminaria em quarto.

Das nove marcas presentes na GTD (a única exceção é a Corvette), seis ocuparam os seis primeiros lugares. Outro destaque foi a performance dos modelos McLaren 720S GT3, que chegaram pontualmente a liderar e Jordan Pepper, no #70 da Inception w/Optimum Motorsport fechou a disputa com a melhor volta.

E é isso. Missão cumprida em mais um evento de Endurance. Agora é aguardar por Super Sebring em março, com a abertura do FIA WEC em paralelo com a 2ª etapa da IMSA. Fortes emoções à vista? Tomara!

Comentários

  • Show de cobertura no seu canal Mattar ! Acompanhei em outros canais, e pela IMSA quando você não pode continuar com as imagens, mas a a narração sim. E como eu disse lá na sua transmissão, “tem vida fora da F1, excepcional o Endurance.” Valeu.

  • Mattar,

    Acompanhei a corrida toda com vc qdo pude. Foi um corridão. Mas queria fazer uma observação: O site no qual seu blog esta hospedado mal falou do triplo triunfo. Esta vitoria era pra ser manchete, mas ainda e’ Formula 1 e o resto, tristeza. Fica meu abraco

  • Grande Mattar!
    Parabéns novamente e obrigado!
    A solução de ouvir seus comentários e assistir no canal da IMSA me parece interessante e vou tentar na próxima, se você fizer o mesmo esquema.
    Me lembro da Copa de 1986, acho que foi essa, que a Globo ficou com direitos exclusivos e o Sílvio Luiz narrou pelo rádio como se fosse TV.
    Por fim, concordo com o comentário do Luis Felipe, pois o GP parece que esqueceu da importância da prova.
    Abraços

  • O mercado é outro, a distribuição de eventos esportivos por streaming muda muito as coisas.

    Meu sonho era que a “Mattar Ventures” organizasse esse monte de conteúdos gratuitos que estão na web e virasse o melhor canal de automobilismo que existe.

    Pesa a favor disso a seção “PARA QUEM NÃO VIU” aqui do blog; também pesa a favor, a pegada de homem do video do apresentador; pesa a favor a coragem e a vontade de fazer uma cobertura ao vivo de uma prova de 24 Horas sozinho (COM TRÊS MIL TELESPECTADORES SIMULTÂNEOS!); pesa a favor o fato de que é um ‘blue ocean’, um aceano azul, porque ninguém faz o que Rodrigo Mattar faz; pesa a favor o fato de que o autmobilismo fora da F1 tem muitos conteúdos gratuitos de enorme qualidade.

    Eu sei que isso custa, mas a cara do Mattar, na sua ‘nota de esclarecimento’, horas depois de transmissão, diz tudo: uma cara de dever cumprido e satisfação.

    Bom para nós os leitores e seguidores, porque A Mil Por Hora é automobilismo de qualidade.

  • A midia reclama tanto do patrocinio Made in Brazil, e por que na corrida Made in Brazil como a Mil Milhas que tivemos esse ano não teve uma virgula publicada pela mídia?

    Não foi uma corrida linda, maravilhosa e grandiosa como Daytona, mas foi uma corrida com um grid relativamente interessante e podemos dizer, é o que dá para o momento economico do Brasil.

  • Xará, obrigado pelos boletins das 24 Horas de Daytona!
    Passei os últimos vinte e cinco minutos de corrida colado na cadeira, com o som do computador nas alturas e dias janelas abertas; uma para ouvir sua narração e outra no site da IMSA para ver a ação.

    Espero que meus vizinhos tenham acompanhado e tenham ficado arrepiados com a disputa das duas Porsches!