WEC, 1000 Milhas de Sebring – Toyota abre temporada 2023 com domínio e dobradinha

RIO DE JANEIRO – Sempre se pode melhorar – e espero que melhore. Mas quando uma nova temporada se inicia com 11 carros na classe principal e sete marcas diferentes na Hypercar, coisas imprevisíveis (ou não) podem acontecer. No caso das 1000 Milhas de Sebring, corrida inaugural do FIA WEC – o Campeonato Mundial de Endurance – em 2023, não aconteceu nada muito imprevisto exceto a pole histórica da Ferrari na quinta-feira.

Porque na disputa de sexta, a Toyota sobrou na turma. Fez a corrida dela, para ela e por ela, a partir do momento em que a Ferrari-AF Corse optou por jogar com uma outra estratégia e não deu muito certo por circunstâncias, as mais variadas possíveis.

Daí não foi surpresa a dobradinha oriental com o #7 de Mike Conway, José María López e Kamui Kobayashi completando 239 voltas e tendo atrás de si a 2″168 o carro-gêmeo tripulado pelos atuais campeões Sébastien Buemi, Ryo Hirakawa e Brendon Hartley.

A corrida começou com a Ferrari sustentando a pole e Antonio Fuoco liderando o pelotão com autoridade até que outra Ferrari, só que a LMGTE-AM de Luis Pérez-Companc, se perdeu no contorno da curva 1 do circuito de Sebring e o piloto argentino capotou espetacularmente. O acidente provocou bastante danos cosméticos no carro e apesar do susto, o sul-americano saiu ileso e andando da célula de sobrevivência.

Naquele que seria o único período de Safety Car da disputa, a Ferrari optou por abrir uma janela própria de paradas e os problemas começaram: o carro #51 com Alessandro Pier Guidi engasopou. Depois, Fuoco ultrapassou um piloto da LMGTE-AM antes da linha de chegada e foi penalizado com drive through.

Daí para a frente, como diz o vulgo, foi só pra trás.

Pier Guidi, já depois da metade da corrida, teve um enrosco com um dos outros AF Corse da LMGTE-AM, o famoso “fogo amigo”, bateu com o carro de Francesco Castellacci e, com o pneu traseiro delaminando, fez boliche com o Porsche do Team Project 1-AO. O italiano da Hypercar seria punido com um stop & go pelo incidente e o carro, vítima da colisão, perderia tempo num conserto que fez o carro #51 perder onze voltas e fechar em 15º lugar.

Mesmo com tantos problemas, a Ferrari-AF Corse saiu no lucro porque o trio Antonio Fuoco, Miguel Molina e Nicklas Nielsen, ainda que com dois giros a menos, deu à equipe o pódio no retorno da marca após meio século fora da divisão principal.

Entre os carros do regulamento LMDh, a Cadillac saiu-se melhor e com mais ritmo de prova, bateu os Porsche 963 da Penske. O V-Series.R de Earl Bamber, Richard Westbrook e Alex Lynn chegou num honroso quarto posto, duas voltas à frente dos carros do time do “Capitão”. A Porsche meio que desaponta neste início de trajetória, uma vez que seus carros foram os primeiros dentro da regra de convergência a ser construídos e passaram por 34 mil km de testes.

A Peugeot novamente enfrentou uma jornada atribulada: o 9X8 não se provou ainda competitivo e os inovadores protótipos da casa francesa, inclusive tendo o CEO do grupo Stellantis, o português Carlos Tavares, como testemunha, tiveram novamente vários problemas da gestão de eletrônica e de câmbio, que faz parte do sistema híbrido do bólido sem aerofólio traseiro. Os dois carros terminaram, mas o #94 não atingiu a distância regulamentar de 75% das voltas do vencedor para poder pontuar e não foi classificado.

O #93 de Mikkel Jensen, Paul Di Resta e Jean-Éric Vergne foi o 31º e último classificado, atrás até do Vanwall Vanderwell 680, que incrivelmente andou bem em grande parte da disputa – aliás, há que se realçar que Jacques Villeneuve, a grande estrela da companhia, embora tenha sido o mais lento piloto entre os Hypercar na pista, ficou contente com seus stints, num total de 40 voltas e estava mais confortável e confiante. A máquina teve problemas de suspensão e atrasou-se. Não seria surpresa se terminasse, inclusive, entre os 10 primeiros na geral.

Na LMP2, no esquema “ganha mas não leva”, o #48 da Hertz Team Jota, inscrito como hors-concours, faturou uma corrida decidida na tática, na conservação dos pneus e nas estratégias para poupar combustível. Yifei Ye, David Beckmann e Will Stevens estiveram impecáveis, mas os pontos do 1º lugar pararam com a United Autosports e o #22 de Filipe Albuquerque, Frederik Lubin e Phil Hanson.

Esse trio foi beneficiado pela parada extra do #63 da Prema, que foi ao pódio ainda num excelente resultado dos estreantes Doriane Pin, Daniil Kvyat e Mirko Bortolotti, um trio que pinta como forte candidato ao título, numa classe muito disputada.

A surpresa foi o 4º lugar da Inter Europol Competition, numa atuação sólida de Fabio Scherer e do novato Albert Costa Balboa, mais o polonês Kuba Smiechowski. Eles se beneficiaram da falta de fôlego dos dois carros do Team WRT ao longo da prova e também do #28 da Jota não ter tido um bom ritmo principalmente com o piloto prata, David Heinemeier-Hänsson.

Segundo no grid de 12 carros da divisão, Pietro Fittipaldi fez muito bem a sua parte, mas os colegas de time, nem tanto – até que Oli Rasmussen melhorou e veio progredindo, mas as estratégias derrubaram o time e o carro ficou com o 12º lugar geral – sexto da classe e quinto para efeito de pontos.

A grande decepção foi a Alpine. Nos ciclos de paradas de box, o #36 ainda fazia um brilhareco, mas o #35 de André Negrão e parceiros, nem isso: o carro acabaria quebrando com Oli Caldwell a bordo, perto do fim da 5ª hora. A trinca Julien Canal, Charles Milesi e Matthieu Vaxivière teve também problemas técnicos e acabariam em oitavo na classe – melhor pelo menos que o #23 pole position, que liderava com Josh Pierson a bordo e quebrou sem aviso prévio com pouco mais de 3h15min de prova.

Na LMGTE-AM, a Corvette sobrou numa atuação impecável do trio Nicky Catsburg, Ben Keating e Nico Varrone: o trio do #33 venceu fácil – fechou com 221 voltas, duas a mais que a Dempsey-Proton com Christian Ried, Julien Andlauer e Mikkel O. Pedersen. Autor da melhor volta entre os Grã-Turismo, Daniel Serra fez sua parte e levou o #57 da Kessel Racing-Car Guy ao pódio junto a Takeshi Kimura e o novato Scott Huffaker, que teve boa atuação.

Mais outras duas 488 GTE EVO, ambas da AF Corse, fecharam o top 5 da classe, enquanto as Iron Dames, que saíram da pole e chegaram a liderar numa disputa encarniçada contra Ben Keating, acabaram apenas em 8º porque Rahel Frey, enquanto guiava num dos turnos, deu uma saída violenta de pista e o extrator foi arrancado junto ao pára-choque do Porsche #85. Uma pena.

O melhor Aston Martin foi apenas 9º colocado, com a ORT by TF, quatro voltas atrás do Corvette. Dois dos carros do construtor britânico foram vítimas de pneus delaminando durante a disputa, o que atrapalhou a performance. A D’Station Racing também enfrentou uma corrida atribulada e não pôde fazer muita coisa.

A próxima etapa é no dia 16 de abril, em Portugal, com as 6h de Portimão, no Autódromo Internacional do Algarve.

Por fim, deixo para as últimas linhas um relato sobre a loucura que foi fazer, de última hora, a transmissão do WEC no YouTube para o público brasileiro. Tratativas iniciadas pelo Sergio Milani, que correu atrás, entrou em contato com os responsáveis pela questão das imagens e eles toparam essa doideira. Foram 9h de maratona que me deixaram exausto, quebrado, estourado, mas feliz – muito feliz – pelo alcançado e pelo feito. Agradeço demais a todo mundo que assistiu e principalmente ao Milani pela confiança.

Se as próximas serão transmitidas é outra história.

Mas essa daqui ó, marcou e muito.

Comentários

  • Caro Rodrigo,
    gosto muito dos seus textos, muito ricos e precisos ao relatar e analisar os fatos de uma corrida! Nunca deixo de os ler.
    Espero que a tropa não Toyota da classe evolua, considerando que essa é a estreia para todos, exceção feita à Glikenhaus. Se conseguirem melhorar o ritmo de corrida, aí teremos mais jogo.
    Sobre a transmissão, foi muito prazeroso poder acompanhar, principalmente por conta de seus comentários.
    Faço votos que isso perdure, mesmo que em flashes.
    Abraços,

  • O Brasil tem um campo aberto, vazio, “blue ocean”, para a cobertura de automobilismo. Tomara que A Mil Por Hora siga sendo o “grupo de mídia” de referência em matéria de automobilismo.

    Com sangue, suor e gogó, A Mil Por Hora tem coberto as grandes corridas de protótipos, inclusive ao vivo, de um jeito como nunca gouve no Brasil. Obrigado!

  • Grande trabalho Rodrigo Mattar.
    Perfeitos comentários técnicos e desportivos.
    Tomara que a FIA continue apostando na competência da dupla.
    Abraço.

  • Pena que não soube a tempo da transmissão pelo You Tube. Tive que pagar pelo streaming oficial que deu problemas e só entrou no ar depois de mais de 20 voltas. Teria sido muito melhor acompanhar a transmissão pelo You Tube com os comentários em português de Rodrigo Mattar. Parabéns pela iniciativa. Se conseguirem fazer isso de novo para as próximas etapas avisem por aqui

  • Vamos esperar que na categoria principal haja um bom desenvolvimento dos desafiantes da Toyota. E pelo visto os problemas da Ferrari na Fórmula 1 já transcendem a categoria, embora não seja incomum alguns problemas em qualquer estreia. Fiquei sabendo da transmissão no twitter, consegui acompanhar as primeiras horas, e pelo desafio proposto e realizado em prazo tão curto, só posso dar parabéns aos envolvidos, foi muito legal acompanhar a corrida em português. O acordo é para as próximas etapas também?

  • I’m excited for the new season of the FIA World Endurance Championship – 11 different cars in the class and seven different brands in hypercar. But when new season starts with 11 cars and seven different brands in hypercar, things can go wrong. For the 1000 Milhas de Sebring race, there was no unexpected exception – the Ferrari pole from last week was the only thing that didn’t happen. It’s because the Toyota won the race from the beginning. It was for her, for her and for her alone, from the moment she started the race.